Specializare: Filologie [619418]

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Universitatea din București
Facultatea de Limbi și Literaturi Străine
Specializare: Filologie

Lucrare de Licență

Ensaio sobre a cegueira: E stratégias de representação na transposição
intersemiótica
(adaptação da literatura para o cinema)
Eseu despre orbire: Strategii de reprezentare în transpunerea intersemiotică
(adaptare cinematografică după literatură)

Candidat(ă): Grozăvescu Lăcrămioara Maria
Coordonator științific: Lector univ.dr. Anca Doina Milu -Vaidesegan

București, 2018

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UNIVERSIDADE DE BUCARESTE
CENTRO DE LÍNGUA PORTUGUESA
PROGRAMA DE LICENCIATURA EM LÍNGUAS E LITERATURAS ESTRANGEIRAS

GROZĂVESCU LĂCRĂMIOARA MARIA

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA : ESTRATÉGIAS DE REPRESENTAÇÃO NA
TRANSPOSIÇÃO INTERSEMIÓTICA

(adaptação da literatura para o cinema)

2018

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GROZĂVESCU LĂCRĂMIOARA MARIA

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA : ESTRATÉGIAS DE REPRESENTAÇÃO
NA TRANSPOSIÇÃO INTERSEMIÓTICA

(adaptação da literatura para o cinema)

Licenciatura apresentada no Programa de Licenciatura Do Departamento de Línguas e
Literaturas Estrangeiras da Universidade de Bucareste.

Área de concentração: Literatura portuguesa do século XX

Orientador: Lect.univ. Dr.Anca Doina Milu -Vaidesegan

2018

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Cada um de nós vê o mundo com os olhos que tem, e os olhos vêem o que querem, os olhos
fazem a diversidade do mundo e fabricam as maravilhas, ainda que sejam de pedra, e altas
proas, ainda que sejam de ilusão.
(José Saramago)

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ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO ……………………………………………………………………………………….. .6
2. A TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA ………………………………….. ……………………. 10
2.1. Características ………………………………………………………… ………………. 10
2.2. Tipos de tradução intersemiótica…………………………………………. …….. 12
2.3. A adaptação cinematográfica: uma nova maneira de tradução… ……… 13
2.4. Diferenças entre técnicas usadas numa narrativa literária
e técnicas usadas na cinematografia………………. …………………….. 18
3. A CONSTRUÇÃO DO ROMANCE ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA……… …….23
3.1. Estilo e técnicas narrativas………………………………………………….. ……… 23
3.2. A alegoria ……………………………………………………………………….. ………. 30
3.3. Perfil psico -comportamental das personagens………………………. ……….. 32
3.4. A imagem da cegueira………………………………………………………………….34
4. ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA: ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA
DE FERNANDO MEIRELLES
4.1. Técnicas fílmicas ………………………………………………………….. ………………..39
4.2. Estratégias de representação………………………………………………………………43
4.3. O estilo poético de Fernando Meirelles……………………………………………….45
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS …………………………………………………………………………50

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ……………………………………………………………….51

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1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é analisar as estratégias de representação na transposição
intersemiótica, por meio da ánalise do romance de José Saramago, Ensaio sobre a cegueira
(1995), mas também de sua adaptação cinematográfica (2008), escrita por Fernand o Meirelles. O
meu propósito é apresentar o modo em que as temas principais do romance (a cegueira humana,
a desumanização, a solidariedade e a violação dos direitos humanos) foram transpostos numa
nova linguagem, que é a linguagem cinematográfica. Centra -se especificamente na questão da
tradução intersemótica, questionando e mostrando o que significa “traduzir” de uma “linguagem”
para outra, como do romance para o meio do filme, e em que medida o termo tradução é usado
metaforicamente.
No primeiro capítulo vou explorar a relação “intersemiótica”, delineando, principalmente,
as estratégias de “reescritura” (conceito usado pelo escritor André Lefevere no seu ensaio
Tradução, reescrita e manipulação da fama literária ) duma obra e como foram elas transpostas
num novo contexto. Começarei com uma pequena introdução sobre o que é geralmente
entendido por tradução e continuarei com uma breve classificação dos tipos de tradução,
seguindo a teoria da tradução de Jakobson. As técnicas de edição do romance serão comparadas
em paralelo com as específicas do filme. Analisarei como certos aspectos do romance de
Saramago tomarão outra forma no filme através do som, da luz e do modo como as cenas mais
importantes são destacadas atra vés do foco da câmera.
No segundo capítulo vou analisar a construção do romance Ensaio sobre a cegueira ,
quais as novas técnicas narrativas utilizadas por José Saramago, bem como as imagens do “mal
branco”, por meio da alegoria. Principalmente uma peça ale górica de ficção, Ensaio sobre a
cegueira é uma obra -prima literária em termos de sua sutil delineação do humor irônico e da
desolação da existência. Várias construções temáticas estão entrelaçadas no enredo do romance.

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Técnicas literárias pós -modernas, co mo longas sentenças sem sinais de pontuação, uso
indefinido de nomes próprios são incorporadas para ilustrar os temas adequadamente. Todos
estes aspetos serão analisados em detalhe, com uma rica exemplificação do respetivo corpus.
No último capítu lo da minha tese vou demonstrar como essas estratégias de
transposição intersemiótica foram utilizadas por Fernando Meirelles em sua “reescritura” fílmica
passando a possuir um caráter pessoal e individual. As cenas do filme serão analisadas, seguindo
os m eios cinematográficos de Meirelles. Ele usa movimento, som, cor e certos elementos de
decoração que sugerem o estado interior dos personagens afetados pela cegueira. Também certas
sequências no filme serão analisadas em paralelo com as cenas que lhe corres pondem no
romance. É interessante ver como os meios de expressão não são tão diferentes, por exemplo,
Meirelles usa o “flashback ” para ilustrar eventos passados, enquanto Saramago introduz esses
momentos por meio da anáfora.

As obras de José Saramago aind a continuam a despertar o interesse dos leitores e teóricos
de todo o mundo. Mas qual é a razão pela qual José Saramago é tão apreciado pelos críticos?
Embora o escritor tenha muitos trabalhos com temas históricos, ele preocupou -se também com a
temática so cial. Saramago tem um estilo próprio, anda sempre à procura de uma maneira original
de expressão. Numa entrevista, ele afirma que para ele tem importância não só a quantidade, mas
também a qualidade, no que diz respeito à maneira de escrever uma obra. Ele afirma:

“Não se pode contar como se não há o que contar, mas pode acontecer de você ter o que e
ficar paralisado porque não tem o como. (…) o molde eu já tinha e só precisava colocar
nele a minha própria matéria (…) algo dentro de mim dizia: não, não e não; enquanto não
encontras a tua própria forma, não poderás escrever. ” (COSTA, Horácio. O despertar da
palavra (entrevista com José Saramago), Revista Cult, ano 02, n°25, p.16, dezembro.
1998. )

Por muitos anos, José Saram ago explorou a História de Portugal ( Memorial do Convento ,
1982, História do Cerco de Lisboa , 1989, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, 1991 etc.) mas
também escreveu sobre a miséria humana, a decadência do mundo contemporâneo). O que é

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interessante é o fat o de que, tal como no seu primeiro romance que tem como tema o
comportamento do homem na sociedade contemporânea, Ensaio sobre a cegueira , ainda reflete a
situação do homem contemporâneo no século XXI.
Na revista ‚ “Visão ” (26/10/00), Saramago comentou o seguinte, sobre as suas três obras
com temática social ( A Caverna, Ensaio Sobre a Cegueira (1995) e Todos os Nomes (1998):
“…os três livros têm, de facto, uma identidade própria. Em primeiro lugar, do
ponto de vista formal, são alegorias. Depois, têm tod os um estilo mais sóbrio,
mais directo, menos expansivo, menos "barroco". E, por último, de uma maneira
mais ou menos metafórica, eles são o que chamo a diferença entre a estátua e a
pedra. Diria que ao contemplarmos a estátua, não estamos a pensar na pedr a que
está para além da superfície trabalhada pelo escultor. Agora, já não é a estátua que
me interessa, mas a pedra que a faz. (…) Estes três últimos livros são tentativas de
ir além da superfície, ver o que está lá dentro e, provavelmente, perder -me no seu
interior… O que me preocupa neste momento é saber: que diabo de gente somos
nós? ” (Kegler, 2001)
Interessado nesta temática, Fernando Meirelles realizou, em 2008, a adaptação
cinematográfica do romance Ensaio sobre a cegueira .
Saramago originalmente recusou -se a vender os direitos para uma adaptação
cinematográfica, mas os produtores conseguiram adquiri -los com a co ndição de que o filme fosse
realizado numa cidade sem nome e irreconhecível. A um dado momento, Saramago explicou:
“Eu sempre resisti, porque é um livro violento sobre degradação social, estupro e eu não queria
que ele caísse nas mãos erradas. ”
As condições estabelecidas por Saramago eram para que o filme se estabelecesse num
país que não seria reconhecível para o público e que o cão do romance, o Cão das Lágrimas,
deveria ser um cão grande. Meirelles escolheu fazer um filme contemp orâneo, para que o público
se pudesse relacionar com os personagens. O director também buscou uma abordagem alegórica
diferente. Ele descreveu o romance como “muito alegórico, como uma fantasia fora do espaço,
fora do mundo ”, e ele, em vez disso, tomou uma direcção naturalista no envolvimento do público
para tornar o filme menos “frio”.
Saramago viu o filme com Meirelles. Quando o filme termino u, Saramago estava com
lágrimas. Ele virou -se para Fernando Meirelles e disse -lhe: “Fernando, estou tão feliz por ter
visto esse filme como era o dia em que terminei o livro. ”

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Ensaio sobre a cegueira é a história de uma epidemia de cegueira inexplicável, que aflige
quase todas as pessoas duma cidade sem nome.
A primeira parte do romance segue as experiências dos personagens centrais no asilo
imundo e sobrelotado, onde eles e outras pessoas cegas foram colocadas em quarentena. A
higiene, as condições de vida vão -se degradando horrivelmente, dentro dum período de tempo
muito curto, sendo, de fato, um reflexo do ambiente societal exterior. As condições degeneraram
ainda mais, uma vez que um exército ganh ou o controle sobre as entregas de alimentos,
subjugando os seus companheiros internados e expondo -os à violação e privação. Diante da
fome, os doentes lutam entre si e queimam o asilo, só para descobrirem que o exército tinha
abandonado o asilo; em segu ida, os protagonistas juntam -se à multidão de pessoas cegas, quase
indefesas, que andam pela cidade devastada, brigando uns com os outros para conseguirem
sobreviver.
A história continua com a história da esposa do médico, o seu marido e sua “família ”
improvisada, enquanto tentam sobreviver para fora, todos sendo protegidos pela esposa do
médico, que ainda pode ver (embora ela deva esconder esse fato no início). A ruptura da
sociedade é quase total. A lei e a ordem, os serviços sociais, o governo, as esco las não funcionam
mais.
O médico, a sua esposa e a sua nova “família ” fazem no final, um lar permanente na casa
do médico. Enquanto a cegueira, ela desaparece da cidade, de forma tão repentina e inexplicável
como apareceu .

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2. A TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

2.1 Caraterísticas
A rede de conotações associadas ao termo “tradução ’’ leva a noções de transferir,
transmitir ou passar de um lugar para outro, de vincular uma palavra, frase ou texto a outro. O
termo “tradução ’’ refere -se ao processo ou ao produto resultante, transferindo ou mediando
textos escritos de diferentes comprimentos (variando de palavras e frases para livros inteiros) de
uma linguagem humana para outra. Mas “tradução ’’ não significa apenas passar de uma língua
para outra. No seu estudo “A tradução vivida ’’, Paulo Rónai apoia este ponto de vista dizendo
que:
“Ao definirem “tradução”, os dicionários escamoteiam prudentemente esse aspecto e
limitam -se a dizer que “traduzir é passar para outra língua”. A comparação mais óbvia é
fornecida pela etimologia: em latim, traducere é levar alguém pela mão para o outro lado, para
outro lugar. O sujeito deste verbo é o tradutor, o objeto direto, o au tor do original a quem o
tradutor introduz num ambiente novo […] Mas a imagem pode ser entendida também de outra
maneira, considerando -se que é ao leitor que o tradutor pega pela mão para levá -lo para outro
meio lingüístico que não o seu.” (Rónai, 1976: 3-4)
A implicação é que a tradução é um componente em todas as transações de linguagem e o
Roman Jakobson divide essas transações em três tipos de tradução ou “formas de interpretar um
sinal verbal ’’.
Jakobson considera que há 3 tipos de traduções: a interlingual, a intralingual e a
intersemiótica. De acordo com a sua opinião, a tradução intersemiótica é aquele tipo de tradução
que “consiste na interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não verbais’’
ou “de um sistema de signos par a outro, por exemplo, da arte verbal para a música, a dança, o
cinema ou a pintura. ” (Jakobson , 1971: 63-72).

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Há semelhanças entre a tradução intersemiótica e tradução interlingual, mas o que as
diferencia é o fato de que a tradução intersemiótica lida com a reinterpretação de signos de um
meio para outro. A tradução interlingual é uma forma de tradução de uma língua para outra ou
reinterpretação da mensagem em outro código linguístico.
No seu estudo, “A Tradução Intersemiótica ”, Julio Plaza (2003: 11), descreve a tradução
como “prática crítico -criativa na historicidade dos meios de produção e re -produção, como
leitura, como metacriação, como diálogo de signos, como síntese e reescritura da história. Quer
dizer: como pensamento em signos, como trânsito dos sentidos, como transcriação de formas na
historicidade. ”
Hoje a tradução intersemiótica tem como objectivo transformar o sentido original dum
texto dado para um novo sentido e uma nova forma, não só reproduzi -lo. O papel do tradutor não
é só reproduzir o sentido da tradução original, mas dar -lhe um novo sentido, um sentido original.
Uma tradução não existe para dar aos leitores uma compreensão do significado ou informação do
original. Não é o maior elogio de uma tradução dizer que ela foi esc rita originalmente no idioma
de destino. O verdadeiro tradutor não traz o texto para o leitor, tornando -o tão palatável e
digerível quanto possível. Em vez disso, o novo papel do tradutor é manter toda a estranheza do
texto original. Benjamin Walter apoia este ponto de vista em “A Tarefa do Tradutor ”:

“Se a tarefa do tradutor aparece sob este prisma, os caminhos de sua realização arriscam a se
obscurecer de modo impenetrável. A tarefa de provocar o amadurecimento, na tradução, das
sementes da pura linguagem, parece inalcançável.
Pois qualquer solução não torna impossível se a reprodução do sentido deixa de ser
determinante? Dito pela negativa, este é o significado de tudo que precede. Fidelidade e
liberdade – liberdade da reprodução do sentido e, p ara seu alcance, fidelidade à palavra – são
os velhos conceitos empregados nas discussões sobre as traduções. Uma teoria que busca na
tradução só a reprodução do sentido, não mais parece ser de valia. ” (Benajmin, 1992: 60 –
61).

Os tipos mais comuns de traduções intersemióticas são aqueles que têm a ver com a
transição da linguagem verbal para a linguagem visual, mas também da linguagem visual para a
linguagem verbal. Para dar alguns exemplos, este tipo de tradução encontra -se na adaptação de

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um livro para um filme (neste caso a obra Ensaio sobre a cegueira ), mas pode ser também uma
transição de um poema para uma pintura (o pintor John William Waterhouse realizou a famosa
pintura “The lady of Shalott ”, tendo como fonte de inspiraçã o o poema homónimo de Alfred
Lord Tennyson , ou vice -versa.
Um outro exemplo de tradução intersemiótica é a adaptação duma peça de teatro para a
cinematografia, como é o caso do filme “Les Miserábles ” (2012), uma adaptação
cinematográfica do livro com o me smo nome, escrito pelo escritor francês Victor Hugo.
No seu estudo, A Tradução Intersemiótica: do texto para a tela (1999) , Thaís Flores
Nogueira Diniz menciona que:
“…também entre esses textos existe simultaneidade verbal e visual, porém, nesse
caso, bem mais aparente. Os textos se baseiam em palavras e imagens, o que
ilustra a simultaneidade, já apontada, dos elementos verbal e visual, embora um
deles sempre predomine. O teatro mostra -se como um meio verbal, porém não
exclusivamente, enquanto o cinema mostra -se, principalmente, mas não
exclusivamente, como um meio visual. ” (Nogueira, 1999: 2)
A tradução intersemiótica é uma “forma de ação ” complexa, não uma transcodificação
simples, mas um evento transcultural, dinâmico e funcional capturado entre a exigência
fidedigna da fonte e a necessidade de transformá -la Nu m texto que é entendido e aceit o na
cultura. Essa dimensão dinâmica existe porq ue as diferentes línguas são vistas como sistemas
que permitem a translatabilidade, como sistemas parcialmente abertos, quando as fronteiras entre
os próprios sistemas permanecem em vigor e funcionam como filtros, mantendo suas próprias
diferenças.

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2.2. Tipos de tradução intersemiótica
Para defin ir melhor e mais adequadamente o sintagma de “tradução intersemiótica ”,
podemos dizer que é sinônimo da palavra “adaptação ”. Segundo o Dicionário Online de
Português, esta palavra é definida como “arranjo, adequação de uma obra estrangeira que, além
da tradução, implica modificações do texto original, transposição de uma obra literária para o
teatro, televisão, cinema ” (https://www.dicio.com.br/adaptacao /).
A partir dessa definição, vou fazer uma pequena classificação da tradução intersemiótica,
apresentando as principais áreas em que é realizada, acompanhada de alguns exemplos
ilustrativos. A transferência de signos da literatura para o cinema é uma das form as mais comuns
de tradução intersemiótica. Exemplos de obras de literatura transpostas para o cinema são
romances como Great Expectations de Charles Dickens, segundo o qual o filme homónimo foi
realizado, em 1946, pelo director David Lean. Um outro exemplo , para mostrar também a
transposição do filme para a literatura, é a famosa pelicula Pirates of the Caribbean que inspirou
Rob Kidd a escrever a série de livros para jovens leitores de nove a doze anos, Pirates of the
Caribbean: Jack Sparrow .
Os principais tipos de tradução intersemiótica são : a tradução “icônica, indicial e
simbólica” (PLAZ A, 2003). Segundo Julio Plaza:
a) a tradução icônica refere -se à semelhança de estrutura de duas linguagens diferentes, uma
semelhança estética com o original. Um bom exemplo pode s er representado pelos “objetos
imediatos, equivalências entre o igual e o parecido, que demonstram a vida cambiante de
transfo rmação sígnica” (PLAZA, 2003:89 -90).
b) a tradução indicial trata do relacionamento estabelecido entre o original e a adaptação, os
elementos que foram conservados. Por exemplo , no caso do nosso romance Ensaio sore a
cegueira, o diretor, Fernando Meirelles deixou os personagens sem nome , como no romance.
c) E o terceiro tipo, a tradução simbólica , usa elementos estilísticos como metáforas, símbolos,
alegorias. Estes elementos podem ser encontrados também no romance e no filme, mas as formas
de representação são diferentes.

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2.3 A adaptação cinematográfica: uma nova maneira de tradução
Uma adaptação cinematográfica representa a transferência de uma obra ou história,
contendo todos os elementos dessa obra ou apenas alguns deles, para um longa -metragem.
Embora frequentemente seja considerada um tipo de trabalho derivado, os desenvolvimento s
académicos recentes de investigadores, como Robert Stam, conceitualizam a adaptação
cinematográfica como um processo dialógico . Uma forma comum de adaptação
cinematográfica é o uso de um romance como base de um longa -metragem. Outros trabalhos
adaptados em filmes incluem a literatura de não -ficção (incluindo jornalismo), autobiografia,
bandas desenhadas, escrituras, peças de teatro, fontes históricas etc.
Uma das técnicas de adaptação cinematográfica é a interpolação ou a elisão. Esta técnica
trata de todo o conteúdo de um livro, que não pode ser incluído no filme e, por isso, detalhes
narrativos, longas descrições, são eliminados no filme. Um bom exemplo para ilustrar a
consequência da utilização de todos os detalhes , é o de 1924, quando Erich von Stroheim tentou
fazer uma adaptação filmica do romance de Frank Norris, McTeague , e o resultado foi um filme
de 9 horas e meio. O filme foi cortado, na insistência do estúdio, para quatro horas, então, cortou
novamente par a cerca de duas horas. O resultado final foi um filme que foi em grande parte
incoerente. Desde então, poucos diretores tentaram transpor um romance na sua integralidade
para um filme. Portanto, a elisão é quase essencial.
Ana Paula Istschuk explica a dife rença entre o livro e a adaptação cinematográfica:
“…é preciso compreender que, em uma adaptação, não vamos, necessariamente,
encontrar tudo o que lemos na obra original. Ao transpor uma obra para o cinema,
são necessárias adaptações na linguagem, no rit mo, na seleção de uma cena em
detrimento de outra, no destaque ou não de determinado personagem, na
supressão de diálogos e na criação de outros. Enfim, é importante ter ciência de
que um gênero não substitui o outro e, também, que um não pretende
compleme ntar o outro, pois são gêneros diferentes. O filme, assim como a obra
escrita, possui um autor que é, nesse caso, o seu Diretor, e é esse processo autoral
que garante originali dade à obra fílmica.” (A. P. Istschuk, 2014: 7)

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Outra cara terística da tradução intersemiótica é a interpretação vista como adaptação. A
mudança é essencial e praticamente inevitável, exigida pelas restrições de tempo e de meio.
Alguns teóricos do cinema, Peter Bradshaw and Frank Nugent argumentaram que um direto r
deveria estar completamente despreocupado com a fonte, como um romance é um romance,
enquanto um filme é um filme, e as duas obras de arte devem ser vistas como entidades
separadas.
Uma vez que uma transcrição de um romance para um filme é impossível, o simples fato
de ter um objetivo de “precisão ” seria um absurdo. Outros, Tom Brook and Barry Norman,
argumentam que o que uma adaptação do filme faz é mudar para caber (literalmente, adaptar) e
que o cineasta deve introduzir mudanças quando necessário, para atender às demandas do tempo.
Na maioria dos casos de adaptação cinematográfica, os filmes são nec essários para criar
identidades (por exemplo, o traje da personagem ou uma decoração definida), uma vez que não
são especificados no material original. No filme “Ensaio sobre a cegueira”, Fernando Meirelles
usa luz, reflexos e elementos da decoração com ce rta destreza: nas janelas reluzentes ou nas
carruagens de carros, ou mesmo nos óculos escuros de uma prostituta que perde a visão no
preciso momento em que ela tem um orgasmo, a luz é refletida ao ponto de ofuscar o espectador
também.
Nesses casos, a influ ência dos cineastas pode não ser reconhecida, porque não há
comparação no material original, e mesmo que as novas identidades visuais afetem a
interpretação narrativa.
Segundo Guimarães, “o processo de adaptação, portanto, não se esgota na transposição
do texto literário para um outro veículo. Ele pode gerar uma cadeia quase infinita de referências
a outros textos, constituindo um fenómeno cultural que envolve processos dinâmicos de
transferência, tradução e interpretação de significados e valores histórico -culturais.”
(GUIMARÃES, 2003: 91)
Um aspeto frequentemente negligenciado da adaptação cinematográfica é a inserção do
som e da música. Num texto literário, um efeito específico do som pode ser implicado ou
especificado por um evento, mas no processo de adaptação, os cineastas terão que det erminar
características de som específicas que afetam subliminariamente a interpretação narrativa. Em

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alguns casos de adaptação, a música pode ter sido especificada no material original (geralmente
música dietética).
Um dos problemas mais básicos de adapta ção é a necessidade de deixar de lado partes do
material literário e, por outro lado, preencher as lacunas que o autor deixou para a imaginação do
leitor. Uma vez que os filmes comerciais raramente excedem o limite de duas horas e meia,
torna -se necessário deixar de fora cenas ou subtramas inteiras, no caso de a obra literária for
muito longa. Os filmes East of Eden e Gone with the Wind , com base nos romances de John
Steinbeck e Margaret Mitchell, respectivamente, podem servir de exemplos. Muitas vezes, os
roteiristas deixam as partes secundárias, porque a introdução de muitos personagens num filme
pode levar à confusão.
Num romance, o autor sempre tem tempo e espaço para explicar quaisquer pontos que
possam ser pouco claros ou vagos, porque ele não está l imitado por limites temporais e
financeiros, como um diretor de cinema. No cinema, muitas vezes, é melhor deixar de fora
alguns elemento do que apresentá -los sem qualquer desenvolvimento subsequente:
“Suspirou de alívio ao ouvir o ruído do elevador descend o. Num gesto maquinal, sem se
lembrar do estado em que se encontrava, afastou a tampa do ralo da porta e espreitou para fora.
Era como se houvesse um muro branco do outro lado. Sentia o contacto do aro metálico na arcada
supraciliar, roçava com as pestanas a minúscula lente, mas não os podia ver, a insondável
brancura cobria tudo. Sabia que estava na sua casa, reconhecia -a pelo odor, pela atmosfera, pelo
silêncio, distinguia os móveis e os objectos só de tocar -lhes, passar -lhes os dedos por cima, ao de
leve, mas era também como se tudo isto estivesse já a diluir -se numa espécie de estranha
dimensão, sem direcções nem referências, sem norte nem sul, sem baixo nem alto. ” (Saramago :
4-5)
Os romances podem ser de 200 a 500 páginas, enquanto os roteiros geralmente são de
85 a 130 páginas. Portanto, os romances podem dar uma descrição e explicação muito mais
detalhadas e completas sobre histórias, configurações e personagens e realmente explo rar, em
palavras, o que os personagens estão pensando, imaginando, ponderando, lembrando, sentindo,
etc. Com os roteiros, tudo deve estar na tela. Não há nenhuma escrita sobre o que o personagem
está sentindo ou pensando, o director tem que mostrar isso at ravés de elementos visuais,
comportamentos, ações e do diálogo. Os romances podem explorar os backstories e histórias

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dum personagem e levar 20 páginas para fazê -lo. Num roteiro, a história desse personagem deve
aparecer na história atual ou mostrada num f lashback com menos de quatro páginas . O filme
Ensaio sobre a cegueira abre-se com uma cena diária de caos em massa, um engarrafamento,
que piorou quando um homem num semáforo de repente fica cego. Um punhado de pessoas vem
em sua ajuda, incluindo um ladrão de carros (interpretado pelo ator Don McKellar), que o leva
para cas a e rouba seu carro. No filme, esta cena não dura mais de 2 ou 3 minutos, enquanto no
livro, Saramago precisa de algumas páginas para descrevê -la:

“O disco amarelo iluminou -se. Dois dos automóveis da frente aceleraram antes que o
sinal vermelho aparecesse. Na passadeira de peões surgiu o desenho do homem
verde. A gente que esperava começou a atravessar a rua pisando as faixas brancas
pintadas na capa negra do asfalto, não há nada que menos se pareça com uma zebra,
porém assim lhe chamam. Os autom obilistas, impacientes, com o pé no pedal da
embraiagem, mantinham em tensão os carros, avançando, recuando, como cavalos
nervosos que sentissem vir no ar a chibata. Os peões já acabaram de passar, mas o
sinal de caminho livre para os carros vai tardar ain da alguns segundos, há quem
sustente que esta demora, aparentemente tão insignificante, se a multiplicarmos pelos
milhares de semáforos existentes na cidade e pelas mudanças sucessivas das três
cores de cada um, é uma das causas mais consideráveis dos engo rgitamentos da
circulação automóvel, ou engarrafamentos, se quisermos usar o termo corrente. ”
(Saramago : 2)

Os romances podem saltar sobre períodos de tempo, facilmente, e nem sempre precisam
de ser lineares ou estruturados. Com os roteiros, geralmente, deve haver uma estrutura clara de
três atos (às vezes de quatro atos), e é preciso que haja uma razão muito boa para que um roteiro
seja de forma não linear. A primeira página de um livro é importante, mas a primeira página de
um roteiro pode ser tudo. N o seu estudo, Da literatura ao cinema: uma tragédia americana
,Serguéi Eisenstein afirma o seguinte:
“Sua expressão plena [do monólogo interior] […] encontra -se apenas no cinema.
Pois somente o filme sonoro é capaz de reconstituir todas as fases e
partic ularidades do processo do pensamento […]. Vacilantes palavras interiores

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correspondem a imagem visuais. Contrastes com as circunstâncias exteriores.
Como elas interagem reciprocamente. Escutar e refletir – a fim de compreender as
leis estruturais e orden á-las para a construção de um monólogo interior de tensão
máxima, recriação do conflito trágico.” (EISENSTEIN, 1983: 213 -214)
Nos romances, muitas vezes conhecemos melhor os personagens, não através do que eles
dizem, mas através do que eles pensam ou do q ue é dito sobre eles na narração. Um narrador
medeia o significado daquilo que lemos através do seu ponto de vista: uma história vai nos
parecer muito diferente se soubermos sobre aquilo que está a acontecer do que se nós
aprendéssemos sobre isso da mãe, i rmã ou professor. Mas no cinema, o narrador desaparece em
grande parte. Às vezes, a perspetiva de um narrador é mantida através do uso de “ voz-over”, mas
geralmente o diretor, o elenco e a equipe devem contar com as outras ferramentas
cinematográficas ( luzes, decoração, trajes, som, cor) para reproduzirem o que foi sentido,
pensado e descrito na página escrita .
A principal diferença entre os filmes e os livros é o facto de que as imagens visuais
estimulam nossas percepções diretamente, enquanto as pala vras escritas podem fazer isso
indiretamente. Um bom exemplo é o caso das sinestesias. A sinestesia é um fenômeno perceptivo
em que a estimulação de uma via sensorial ou cognitiva leva a experiências automáticas e
involuntárias numa segunda via sensorial o u cognitiva. Na literatura, a sinestesia refere -se a uma
técnica adotada por escritores para apresentar idéias, personagens ou lugares de tal maneira que
atraem mais de um sentido, como audição, visão, cheiro e toque em um determinado momento.
Sarmago usa também essa figura de estilo no romance Ensaio sobre a cegueira . Um bom
exemplo é “faces gulosas de novidades ”.

O filme é mais uma experiência sensorial direta do que a leitura, além da linguagem
verbal, também há cor, movimento e som. No entanto, o filme também é limitado: por um lado,
não há temporestrições num romance, enquanto um filme geralmente precisa de comp rimir
eventos em duas horas. Por exemplo, a cena em que o primeiro homem fica cego tem uma longa
descrição no romance, enquanto no filme essa cena é reduzida a alguns minutos.
O significado de uma novela é controlado por apenas uma pessoa, o narrador, enquanto o
significado transmitido por um filme é o resultado de um esforço colaborativo de muitas pessoas.

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O filme também não tem a mesma liberdade que um romance, pois esse faz o leitor interagir com
o trama ou personagens, imaginando -os em nossas mentes.
O filme e a literatura tê m as suas próprias ferramentas para manipular a estrutura
narrativa. Num romance, um novo capítulo poderia levar -nos de volta a um tempo e lugar
diferent es na narrativa (analepse); num filme, podemos voltar para o mesmo tempo e lugar
através do uso de um “flashback”, como Meirelles empregou, para manter a coerência da
complexa narrativa. Esta técnica é usada para ilustrar o primeiro encontro no asilo, quan do cada
personagem é apresentado, e através do “flashback” , o médico lembra -se de cada um deles como
sendo os seus pacientes antes que a cegueira se espalhe.

2.4. Diferenças entre técnicas usadas numa narrativa literária e técnicas usadas na
cinematografia

O romance, especialmente o romance moderno, trata principalmente do tempo e das
complexidades da motivação interna, o filme, por outro lado, basicamente não equipado para as
processar efetivamente, encontra o seu ponto forte em valorizar o movimento e a ação. Tanto a
qualidade externa, quanto a compressão exigida por um limite máximo de tempo de exibição
limitam o filme.
Um romance, por exemplo, pode levar 40 horas para ser lido, e pode entregar -se ao luxo
de uma expressão tranquila, enquan to o filme está à mercê do celulóide que não pode voltar,
morar ou divergir. No romance pode haver páginas com descrição dos minutos e ignorar os anos,
comprimindo a sua passagem numa frase, mas enquanto um filme pode aniquilar o tempo, ele
não pode expan di-lo ou trazê -lo de volta, para examinar as suas várias facetas. Por exemplo, o
romance “Ensaio sobre a cegueira” toca mais de 200 mil palavras enquanto o filme dura 2 horas
e um minuto. A última adaptação do filme tem um tempo de execução de pouco menos de três
horas. Necessariamente, o ritmo de um filme é muito mais apertado do que o dum livro.
Subtramas inteiras são eliminadas das adaptações de filmes simplesmente porque não há tempo
para as explorar. Por exemplo, no final do romance, temos uma breve des crição do escritor que
fala sobre cegueira do ponto de vista dele. Mas no filme, esse personagem não aparece.

20
No livro, não há esse tipo de limitações. Mesmo dentro das mais baixas expectativas de
contagem de palavras de gênero, os livros têm a oportunidade de gastar muito mais tempo com
uma história do que um filme (ou mesmo uma mini -série).

No seu estudo Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema .
Ismail Xavier afirma que:
“(…) livro e filme estão distanciados no tempo; escritor e cineasta não têm
exatamente a mesma sensibilidade e perspectiva, sendo, portanto, de esperar que a
adaptação dialogue não só com o texto de origem, mas com o seu próprio
contexto, inclusive atualizando a pauta do livro, mesmo quando o objetivo é a
identificação com os valores nele expressos.” (Xavier, 2003: 62).
Talvez a parte mais importante do livro s eja a discussão altamente compacta e abstrusa
sobre a natureza do tempo nos dois meios e a diferença entre o tempo ‚“psicológico” e o tempo
“cronológico”. Mais obviamente, os recursos do estilo literário e da expressão que utilizam a
analogia da metáfora, que podem evocar a forma, mas não a essência de uma pessoa, humor ou
característica, devem ser abandonados, a perda mais significativa na adaptação do romance para
o filme, no entanto, é o fato de que o pensamento não pode ser expresso diretamente. No seu
esforço de capturar a essência do texto de Saramago o mais próximo possível, o diretor Meirelles
encontrou obstáculos tipicamente associados a qualquer tentativa de adaptar fielmente a
literatura ao cinema. Inicialmente, pode -se sentir uma sensação positiv a de surpresa e até
apreciação pela maneira efetiva em que o diretor descreve com imagens a impressão de que a
primeira descrição de Saramago da cegueira – “é como se eu estivesse preso numa névoa ou
tivesse caído num leitoso mar” – deixa correr a imaginaç ão do leitor. De fato, o cineasta
brasileiro foi menos desafiado pela representação de pessoas “nadando num mar lácteo” ou de
uma “brancura impenetrável”, que ele efetivamente se traduziu numa brancura sombria
raramente vista nos filmes, do que por outras idéias complexas e bastante contraditórias como
“uma brancura tão luminosa, tão total que engoliu em vez de absorver, não apenas as cores, mas
as mesmas coisas e seres, tornando -os duas vezes tão invisíveis ”.
O diálogo e a música são elementos periféricos , a imagem domina. Mesmo que o diálogo
seja aceite como expressão externa do pensamento, uma vez falado, não é mais um pensamento.

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O filme deve compensar isso por ter uma trama muito gráfica e por nuances de atuação,
particularmente ‚“microfisiognomia ” ou intrincados da expressão facial. Por outro lado, o filme
tem uma certa unidade de expressão, a discreta qualidade da linguagem, sujeito, verbo, objeto.
Além disso, a linguagem não pode, naturalmente, transmitir a experiência não -verbal. Há
momentos em que uma imagem vale dez mil palavras . A câmera focaliza e desfoca, a tela fica
superexposta e subexposta. Na cena em que Ruffalo fica cego, ele está embaçado e Julianne
Moore está em foco. Este é um momento de grande expectativa. A natureza das doenças
presentes no romance tem uma forte influência sobre o surgimento da comunidade. No romance
de Saramago, a cegueira branca encoraja o toque como meio de vínculo com os outros.
Meirelles entende claramente a transição da visão para o toque, no romance de
Sarama go, e ao adaptar a história para o grande ecrã, ele enfatiza muito esse aspecto. A câmera
foca principalmente em partes do corpo. Ele monta toda a imagem como um quebra -cabeça,
tentando dar -lhe um sentido. Geralmente, ele começa com as extremidades, os pés ou as mãos, o
que geralmente faz um som forte enquanto toca outra coisa. Na verdade, a imagem visual do
filme é construída respeitando os “contornos” deixados pelo som.
O diretor supera o movimento da câmera para as palavras de Saramago do romance:
quando o primeiro homem fica cego, sua explicação sobre o que ele está experimentando
sincroniza com as imagens que os disparos da câmera aparentemente apresenta de maneira
aleatória. Ao dizer que ele está ficando branco, ao seu redor, as janelas do carro reflet em a luz
branca. À medida que a explicação do personagem continua, o carro vai da luz ao escuro,
enquanto atravessa um túnel.
A camara não é, no entanto, essencialmente conhecedora, na maioria das vezes é
cegamente objetiva, não representando a visão particular subjetiva e significativa, mas apenas
variações na intensidade e na cor da luz. Mesmo com os recursos do diálogo, da música e da
dança, que o filme envolve, ainda existe um vasto mundo interno. Como indicar a realidade
simultaneamente com uma ou mais imagens particulares, isso é, o que torna a fotografia e a arte.
Além dessas considerações técnicas, existe no filme a influência do fabricante e do mercado. O
filme é um projeto de grupo – parcelas, diálogo e todo o resto dos detalhes são discutidos e
determinados dentro de um conselho, em comparação com os esforços solitários e individuais do
romancista. Portanto, o filme é uma criação muito menos pessoal.

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O romancista escreve para uma pequena audiência com quem ele pode assumir um certo
relacioname nto. O filme contemporâneo é destinado a todos – jovens e idosos, homens e
mulheres, educados e analfabetos e estrangeiros.
Os críticos tradicionais da adaptação cinematográfica geralmente assumiram que o texto
escrito é melhor do que a adaptação do filme, porque o enredo é mais intrincado e a linguagem
mais rica, quando as imagens pictóricas não interferem, que os filmes são melhores quando
particularmente fiéis ao original. Um dos principais estudos dos Estados Unidos para avaliar o
processo inter -relacio nado entre a literatura e o filme, especificamente, o romance e o filme, foi o
estudo de George Bluestone Novels into film (1957).
Bluestone afirma que o roteirista bem -sucedido numa adaptação deve entender a
limitação do meio do filme e fazer um ajuste sério a um conjunto de diferentes e outros
conflitantes convenções, convenções que distinguem a literatura das entidades autó nomas, a
adaptação deve vincular essas “convenções conflitantes ”. Segundo Bluestone, um adaptação é
um tipo de matéria -prima que parafraseia a temática. Bluestone conclui com uma premissa de
que o adaptador se torna um verdadeiro autor, não um mero tradutor do trabalho de outra pessoa.
É também a afirmação de Bluestone de que a adaptação cinematográfica, inevitavelmente, vai -se
tornar uma entidade artística diferente da novela em que se baseia.
Existem três razões principais para que um cineasta ou um roteirista queiram fazer
grandes mudanças, adaptando uma obra literária para o cinema. Um deles é simplesmente a
mudança exigida por um novo meio. Às vezes, os cineastas fazem mudanças para destacarem
novos temas, enfatizam diferentes traços num personagem, ou mesmo tentam resolver problemas
que eles percebem no trabalho original. Às vezes, isso significa substituições sutis ou adições de
linguagem ou adereços mais reconhecidos para uma audiência moderna, outras vezes significa
representar eventos ou personagens no romance, numa maneira que melhor se adapta a uma
sensibilidade moderna.
Um dos exemplos mais marcantes de adaptação é o surp reendente filme de 2010, de
Steven Moffat e Mark Gatiss, a reinvenção de Sherlock Holmes. Neste filme, Sherlock, o Sr.
Holmes é um detetive particular, que mora no Londres de hoje. Ele tem um telefone inteligente e
um site, e ele gosta de atrapalhar a polí cia através de mensagens de texto, quando essa não está
resolvendo um caso com bastante habilidade para seu gosto.

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A adaptação de qualquer tipo é muitas vezes descrita como profundamente problemática,
é uma realidade e um fenómeno comum que, no entanto, co nstitui um problema. Na
transferência de uma história de uma forma para outra, há a questão básica da adesão à fonte. Os
primeiros escritos sobre a relação entre a literatura e o cinema são valiosos por terem
identificado algumas das principais questões no centro do processo de adaptação. Críticos como
George Bluestone discutem sobre problemas de diferença entre a percepção auditiva de formas
cinematográficas e literárias.
Em Novels into film (Bluestone, 1957), ele descreve o efeito da câmera no nosso modo de
perceber, a centralidade da edição e o seu efeito na forma narrativa. Ele diz que o filme apela aos
sentidos de percepção e é livre para trabalhar com infinitas variações da realidade física. Onde a
imagem em movimento nos conecta diretamente com a perc epção, o idioma deve ser filtrado
através da tela de apreensão conceitual.
No filme de Meirelles, a câmera foca principalmente em partes do corpo. Ele reúne toda
a imagem como um quebra -cabeça, tentando dar sentido a ela. Geralmente começa com as
extremid ades, os pés ou as mãos, que geralmente emitem um som forte enquanto tocam outra
coisa. De fato, a imagem visual do filme é construída respeitando os “contornos” deixados pelo
som.O diretor sobrepõe o movimento da câmera às palavras de Saramago do romance: quando o
primeiro homem fica cego, sua explicação sobre o que ele está experimentando sincroniza com
as imagens as imagens da câmera, aparentemente de maneira aleatória. Enquanto diz que ele está
vendo branco ao redor dele, as janelas do carro onde o home m está refletem a luz branca. Como
a explicação do personagem continua, o carro vai da luz para a escuridão, ao atravessar um túnel.

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3. A CONSTRUÇÃO DO ROMANCE ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

3.1. Estilo e técnicas narrativas
O romance Ensaio sobre a cegueira é escrito de um ponto de vista complexo, quer
dizer, a fusão frequentemente transparente entre a primeira pessoa atípica, no plural e os pontos
de vista tradicionais que são expressos na terceira pessoa. O narrador é completamente
omnisciente e fr eqüentemente revela os pensamentos e sentimentos dos personagens. O ponto de
vista atípico do romance junta muitos outros aspectos bizarros ou atípicos da construção e ajuda
a tornar o romance numa experiência de leitura única.
O fluxo de descrição, diálog o e comentário nos romances de Saramago produz um
efeito onírico, em sua calma, a aceitação literal do surreal e do fantástico. Nas obras de
Saramago ha um forte aspecto de ensaísta, que ele identificou como uma das suas características
mais importantes. Como a maioria das obras de Saramago, o romance contém muitas frases em
que as vírgulas tomam o lugar dos períodos:

“A comida tinha sido calculada à justa para cinco pessoas Havia garrafas de leite e
bolachas porém quem calculara as rações tinha -se esquecido dos copos. pratos também não
havia, nem talheres, viriam provavelmente com a comida do almoço A mulher do médico foi
dar de beber ao ferido mas ele vomitou O motorista protestou que não gostava de leite. quis
saber se não haveria café. Alguns. de pois de terem comido, tornaram a deitar -se, o primeiro
cego levou a mulher a conhecer os sítios. foram os únicos que saíram da camarata ”. (Saramago,
p.37)

A falta de aspas em torno do diálogo significa que as identidades dos oradores (ou o
fato de que o diálogo está ocorrendo) podem não ser imediatamente evidentes para o leitor:

“Mas você está mesmo cego? perguntou? Totalmente cego, Em todo o caso,
poderia tratar -se de uma coincidência, poderia não ter havido realmente, no seu

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exacto sentido, um contágio , De acordo, o contágio não está demonstrado, mas
aqui não foi o caso de cegar ele e cegar eu? cada qual em sua casa? sem nos
termos visto? o homem apareceu -me cego na consulta e eu ceguei poucas horas
depois? Como é que poderemos encontrar esse homem? Ten ho o nome e a
direcção no consultório? Vou lá mandar alguém imediatamente? Um médico?
Sim? um colega? claro? Não lhe parece que deveríamos comunicar ao ministério
o que se está a passar? ”. (Saramago, p.20)

Camila Rocha Muner também nota esse estilo de escrita incomum de Saramago:

“Estranhamento. Definitivamente essa é a sensação imediata provocada pela leitura
de José Saramago. Em parte porque sua escritura subverte regras com as quais todo
leitor parece acostumado, como aquela, das mais previsíveis at é, imposta pela
pontuação; em parte porque a maneira de contar do narrador parece se aproximar a
de um velho contador de histórias, como aqueles que a tradição cristalizou, o que
ocasiona um vai -e-vem revelador de uma pluralidade de pontos de vista e de
julgamentos, que fazem, por exemplo, do romance Ensaio sobre a cegueira, material
um tanto experimental, por um lado, e recuperador de uma certa poética da oralidade,
baseada nos antigos contadores de histórias, por outro. ” (Camila Rocha Muner,
2008: 1)

A falta de nomes de personagens no Ensaio sobre a cegueira é típica de muitos dos
romances de Saramago (por exemplo, Todos os nomes ). Os caracteres são, em vez disso,
encaminhados por denominações descritivas, como “a mulher do médico”, “o ladrão de carros ”,
ou “o primeiro cego”. Dada a cegueira dos personagens, alguns desses nomes parecem iró nicos
(“o rapazinho estrábico” ou “a menina com os óculos escuros”). A cidade afligida pela cegueira
nunca é nomeada, nem o país especificado. Poucos identificadores d efinidos de cultura são
dados, o que contribui com um elemento de intemporalidade e universalidade para a novela.
Alguns sinais indicam que o país é a pátria de Saramago, o Portugal: o personagem principal
come chouriço, uma salsicha picante e algum diálog o no português original emprega a forma
familiar “tu” da segunda pessoa singular (uma distinção evidente entre a linguagem de Portugal e
a linguagem de Brasil). A igreja, com todas as suas imagens santas, é provável do culto católico .

26
Como Camus, Saramago usa a doença como uma forma de representar a crise social e
política. Ambos os autores enfatizam a resposta humana à catástrofe social. No entanto, há um
problema com a representação de eventos históricos por meio de um modelo médico. Nesta
representação, a natureza desloca o social e substitui -o por uma imagem do destino. Como
consequ ência, a cegueira é definida como uma condição física.
Os escritos de Saramago foram discutidos frequentemente como um exemplo de
“realismo mágico ”. No entanto, a Ensaio sobre a cegueira tem mais em comum com os
romances alegóricos de Kafka do que com as obras de Gabriel Garcia Marquez. O problema
fundamental que os romances alegóricos representam é como localizar o seu significado político
e social. Saramago oferece aos seus l eitores poucas pistas para orientar a interpretação. A história
é definida num país sem nome, em algum lugar da segunda metade do século XX. Existem
poucos recursos de identificação que fornecem um contexto para os eventos que ocorrem.
A epidemia de cegue ira ocorre sem qualquer causa aparente, a doença se espalha
rapidamente e, à medida que o romance termina, o cego está recuperando a sua visão. Sua
recuperação tem tão pouca explicação quanto o início da cegueira. O problema que o leitor
enfrenta é o que f azer da doença metafórica, da catástrofe social e da recuperação milagrosa. O
que isso significa?
Perto do final do livro, Saramago tem um dos seus personagens sugerindo que talvez
eles nunca estivessem realmente cegos, que talvez os avistados realmente não vejam:

“Este, provavelmente, estar curado quando acordar, com os outros não ser diferente, o
mais certo é que estejam agora mesmo a recuperar a vista, quem vai apanhar um susto,
coitado, é o nosso homem da venda preta, Porquê, Por causa da catarata, depois de todo o
tempo que passou desde que o examinei, deve estar como uma nuvem opaca, Vai ficar
cego, Não, logo que a vida estiver normalizada, que tudo comece a funcionar, opero -o,
ser uma questão de semanas, Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a
conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso
que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem. ” (Saramago, p. 183)

A analogia entre “ver” e “compreensão” é uma das idéias mais antigas na filosofia
ocidental. É talvez mais claramente ilustrado no Livro 7 da República , onde Platão usa uma
metáfora visual para ilustrar os limites da compreensão humana. Ele descreve uma caverna onde

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várias pessoas estão sentadas de tal forma que não conseguem ver a luz direta do fogo. Em vez
disso, eles só podem ver as suas sombras distorcidas na parede da caverna.
O estilo errático e o estilo de fluxo livre do romance serve vários propósitos diferentes
à medida que a história avança: quando a população começa a se tornar cega, os parágrafos de
execução e a descrição rápida aumentam a confusão e o caos que acompanham uma epidemia tão
surpreendente e indecente ao medo. À medida que a história se torna mais suspensa, numa
batalha de vida ou morte dentro do hospit al psiquiátrico abandonado, entre dois grupos de
internados cegos, o estilo serve como um suspiro adicional. Quando a esposa do médico descreve
a sua culpa, juntamente com os outros protagonistas, pela forma como eles agiram e as pessoas
que eles afetaram, o estilo de escrita torna cada voz mais sincera e verdadeiramente real, dando
ao livro o apelo de um documentário em forma de romance:

“Foi à mesa que a mulher do médico expôs o seu pensamento, Chegou a altura de
decidirmos o que devemos fazer, estou convencida de que toda a gente está cega, pelo
menos comportavam -se como tal as pessoas que vi até agora, não há água, não há
electricidade, não há abastecimentos de nenhuma espécie, encontramo -nos no caos, o
caos autêntico deve de ser isto, Haverá um gove rno, disse o primeiro cego, Não creio,
mas, no caso de o haver, será um governo de cegos a quererem governar cegos, isto é, o
nada a pretender organizar o nada, Então não há futuro, disse o velho da venda preta, Não
sei se haverá futuro, do que agora se tr ata é de saber como poderemos viver neste
presente, Sem futuro, o presente não serve para nada, é como se não existisse, Pode ser
que a humanidade venha a conseguir viver sem olhos, mas então deixará de ser
humanidade, o resultado está à vista, qual de nós se considerará ainda tão humano como
antes cria ser. eu, por exemplo, matei um homem, Mataste um homem, espantou -se o
primeiro cego, Sim, o que mandava do outro lado, espetei -lhe uma tesoura na garganta,
Mataste para vingar -nos, para vingar as mulheres ti nha de ser uma mulher, disse a
rapariga dos óculos escuros, e a vingança, sendo justa, é coisa humana, se a vítima não
tiver um direito sobre o carrasco, então não haverá justiça, Nem humanidade, acrescentou
a mulher do primeiro cego… ” (Saramago, p. 143)

Ensaio sobre a cegueira de José Saramago aborda a natureza humana no que ela tem
de pior e de melhor, de uma maneira que só pode ser descrita como “crua”. Ao exemplificar cada
possível caráter moral, o instinto de sobrevivência e a reação aos efeitos físi cos e emocionais da

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cegueira, Saramago não usa o romance como uma lição, mas levanta a questão de quanto os
humanos realmente evoluíram de outros animais. Saramago até consegue transformar um final
aparentemente feliz num futuro sombrio para a raça humana. Em contraste, o protagonista parece
procurar um poder metafórico superior, para o apoio ao longo do livro, através do “cão das
lágrimas”, mas o romance é escrito por um homem abertamente ateu.
O leitor pode nem sequer notar que José Saramago deixa os pers onagens sem nome
através de todo o romance, porque cada um pode ser identificado por uma característica ou
relacionamento: o médico, a esposa do médico, o ladrão, a rapariga dos óculos escuros, o velho
da venda preta, rapazinho estrábico etc. No entanto, cada personagem, seja uma vítima indevida
de roubo ou o ladrão que o roubou, é afetada por uma epidemia de “cegueira branca ”. Saramago
equipara todos os personagens, dos internados cegos aos soldados que protegem o enterro com
armas. Ele equipara os bandidos cegos, os estupradores revoltados com as mulheres cegas que
lutam e o ladrão assasante com a rapariga que o mata involuntariamente. O médico diz na página
314 para sua esposa, enrubescido de culpa, ‚ “de um jeito ou outro somos todos as sassinos ”. Ele
mesmo sugere que a cegueira não afetou a natureza dessas pessoas.
Como um ateu autoproclamado que culpou a religião por grande parte da violência no
mundo, seria de esperar que Saramago escrevesse um romance altamente religioso. No entanto, a
sobrevivência do protagonista depende de um anjo da guarda, o “cão das lágrimas”. Assim,
levanta algumas questões: esse livro é religiosamente motivado? Pode ser lido assim? A igreja,
no último capítulo, é um lugar de refúgio? O sacerdote da igreja, que aparece perto do final no
romance, pinta todas as figuras religiosas cegas. Quando o anjo da guarda, ou “o cão das
lágrimas”, entra no prédio junto com o protagonista, o ambiente pacífico rapidamente se
desintegra numa outra estampa, questionando o poder d a igreja sobre a situação. A religião é
mesmo livre da cegueira? As pinturas são uma sugestão de Saramago, que as autoridades
religiosas são cegas à realidade?
O cão das lágrimas é uma figura especificamente religiosa ou anti religiosa? Talvez
Saramago, co mo ateu, esteja criando a sua própria neo -religião, na qual os humanos não são
conduzidos por uma autoridade fisicamente mais alta, como um ser imortal, mas por uma
autoridade fisicamente menor, que pode ter uma altura menor, mas traz muito mais sabedoria e
força do que um ser humano. Segundo Salma Ferraz de Azevedo de Oliveira, ele use a perda de
visão para sugerir que, quando não precisamos procurar uma direção específica para encontrar

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nosso salvador (no caso da maioria das religiões, até os céus), vemos nossos protetores reais
(2002, p.18) .
Existem inúmeras interpretações para o uso da cegueira por Saramago. O livro pode ser
lido cem vezes e ainda o leitor pode encontrar um novo ponto de vista. Mesmo a capa, com sua
intrincada sobreposição do título, faz com que o significado da cegueira em si seja
completamente ambíguo. A sequela de Saramago, “Ver”, deixa ainda mais a imaginação fluir.
A cegueira possui uma série de elementos estilísticos característicos da obra de
Saramago. Em primeiro lugar, a premissa de seu livro é algo fantástica. No romance, a totalidade
da sociedade é atingida por uma epidemia de cegueira que transforma o campo de visão de todos
num branco leitoso em oposição ao habitual preto. Nenhuma quantidade de quarentena,
desinfecção ou vacin as pode parar a propagação da doença, muitos cidadãos pensam que é
transmitida pelo contato visual.
Em segundo lugar, Saramago evita o uso de pronomes pessoais de qualquer tipo. Isso
dá ao romance uma sensação de flutuação sem qualquer referência concreta à realidade.
Finalmente, Saramago recusa -se a usar aspas ou a atribuição do diálogo, o que significa que é
difícil determinar quem fala às vezes. Isso vem reforçar o tom desorientado do romance:

“O médico pensou que a mulher cegara, que acontecera o que tanto temia,
desatinado esteve quase a perguntar Cegaste, foi no último instante que lhe ouviu o
murmúrio, Não é isso, não é isso, e depois, num lento sussurro, quase inaudível,
tapadas as cabeças de ambos com a manta, Estúpida de mim, não dei corda ao
relógio, e continuou a chorar, inconsolável. Da sua cama do outro lado da coxia, a
rapariga dos óculos escuros levantou -se e, guiada pelos soluços, aproximou -se de
braços estendidos, Está aflita, precisa de alguma coisa, ia perguntando à medida que
avançava? e tocou com as duas mãos nos corpos deitados. ” (Saramago, p.55)

O romance Ensaio sobre a cegueira pode ser relacionado concretamente com certas
circunstâncias políticas do seu autor. Isto é o motivo pelo qual ele procura evitar qualquer
conexão com o mundo real, mantendo o leitor ignorante do tempo e do lugar da narrativa, a
cidade, nem os personagens têm nomes.

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Saramago nasceu numa pequena aldeia chamada Azinhag a no Portugal rural. Grande
parte de sua carreira inicial, ele passou em relativa obscuridade, escrevendo para jornais e
produzindo romances de pouco impacto. Foi apenas na década de cinquenta que obteve
aclamação internacional por seu romance Baltasar e Bl imunda . Durante o seu tempo de
obscuridade, Saramago já começou a cultivar po ntos de vista impopulares. Ele juntou -se ao
Partido Comunista Português em 1968. Esta decisão foi tomada por seu próprio risco pessoal, já
que o PCP era um opon ente vocal do então ditador Antó nio Salazar. Muitos de seus membros
foram torturados ou presos por suas afiliações.
Por sorte, este não foi o caso de José Saramago. Alguns anos depois, ele também correu
contra o órgão político dominante, quando o seu romance, O Evangelho Seg undo Jesus Cristo ,
impediu -se de contestar o Prémio Literário Europeu por preocupações de que o romance
enfureceria a comunidade católica romana. Após este último ato de censura, Saramago e a sua
esposa mudaram -se para Lanzarote, uma ilha das Canárias. Podemos resumir as o piniões
políticas de Saramago como críticas, antiautoritárias, mas não democráticas. Vale ressaltar que o
PCP nunca apoiou uma democracia parlamentar total, mas sim um tipo de arranjo onde uma
vanguarda do proletariado seria eleita para representar a vonta de do povo. Podemos ver que
esses pontos de vista se refletem claramente no texto de Ensaio sobre a cegueira .
O primeiro exemplo notável no texto são as ações do “Governo” (uma palavra que
sempre é maiúscula). Podemos caracterizar o relacionamento do gover no com o povo como
essencialmente cínico. Um bom exemplo são as decisões logísticas tomadas em relação à
quarentena. Quando eles estão tentando decidir onde organizar a quarentena, eles passam por
várias opções. Algumas dessas opções teriam sido mais adequ adas, instalações maiores, menos
confusas, que funcionaram, mas foram passadas na proteção de interesses privados.
O Governo invoca palavras como “comunidade”, “dever” e “nação” apenas no anúncio
dado aos novos internados e apenas para justificar o tratame nto do governo relativamente a essas
pessoas :
“O Governo lamenta ter sido forçado a exercer energicamente o que considera ser
seu direito e seu dever, proteger por todos os meios as populações na crise que estamos a
atravessar, quando parece verificar -se algo de semelhante a um surto epidémico de
cegue ira. provisoriamente designado por mal -branco – e desejaria poder contar com o
civismo e a colaboração de todos os cidadãos para estancar a propagação do contágio –
supondo que de um contágio se trata. Supondo que não estaremos apenas perante uma

31
série de coincidências por enquanto inexplicáveis. A decisão de reunir num mesmo local
as pessoas afectadas, e. em local próximo, mas separado, as que com elas tiveram algum
tipo de contacto, não foi tomada sem séria ponderação. ” (Saramago, p.25)

Os novos internados são convidados a considerar o seu tempo na quarentena como
sendo um sacrifício pelo bem maior da Nação. Na realidade, porém, o governo e o exército
também tratam os internados mais como combatentes inimigos do que como cidadãos.

3.2. A Alegoria
George Snedeker vê a cegueira como uma metáfora tanto do infortúnio pessoal quanto
da catástrofe social. Com um grande número de pessoas ficando cegas, os funcionários da saúde
pública estão assustados e os cidadãos cegos estão em quarentena nu m antigo ho spital mental.
Segundo George Snedeker no seu estudo Between metaphor and referent: Reading Saramago’s
“Blindness” , (2010), é claramente um sinal de limitação. Isso faz com que a integridade não
funcione mais.
Saramago mostra que as pessoas se perderam na sociedade moderna. Elas tentam
adaptarem -se a uma sociedade em mudança e cumprir os seus sonhos. As pessoas fazem planos
para realizar o objetivo delas. Elas seguem a “ordem” da sociedade e formam o seu próprio
princípio para liderar vidas sign ificativas. Mas se a ordem é destruída, elas podem encontrar -se
numa sociedade que já não funciona e sucumba no caos.
A cegueira é claramente um sinal de limitação neste romance. Isso faz com que toda a
sociedade não funcione mais. Também coloca pessoas ce gas na condição de risco físico e tortura
psicológica. A sociedade já não funciona porque os cegos não são capazes de fornecer os
serviços comuns, que são rotineiramente dependentes para a sobrevivência: a produção e
distribuição de alimentos, água e eletr icidade e a manutenção da infra -estrutura de transporte e
comunicação.
Os leitores confrontam -se com uma confusão , a relação entre o “simbólico” e o “real”.
A voz autoral do romance e a resposta crítica que apareceu na imprensa dominante ocluíram o
problema do referente. Saramago escreve como se a sua descrição metafórica de infortúnio e
catástrofe pudesse de alguma forma ser inocente dos significados culturais que são
rotineiramente associados à deficiência visual. É interessante notar que as críticas que

32
apareceram na imprensa principal não conseguem considerar que o uso da cegueira como
metáfora pode representar um problema.
Como Camus, Saramago usa a doença como uma forma de representar a crise social e
política. Ambos os autores enfatizam a resposta humana à catástrofe social. No entanto, há um
problema com a representação de eventos históricos por meio de um trop o médico. Nesta
representação, a natureza desloca o social e o substitui por uma imagem do destino. Como
consequ ência , a cegueira é definida como uma condição física. O problema fundamental que os
romances alegóricos representam é como localizar o seu sign ificado político e social. Saramago
oferece aos seus leitores poucas pistas para orientar a interpretação. A história é definida num
país sem nome, em algum lugar da segunda metade do século XX. Existem poucas
características de identificação que fornecem um contexto para os eventos que ocorrem.
A epidemia de cegueira ocorre sem qualquer causa aparente. A doença se espalha
rapidamente e, à medida que o romance se aproxima do fim, os cegos vão recuperando a sua
visão. Sua recuperação tem tão pouca explicação quanto o início da cegueira. O problema que o
leitor enfrenta é o que fazer da doença metafórica, da catástrofe social e da recuperação
milagrosa.
As vítimas do “mal branco” são levadas para um asilo e colocadas sob guarda armada
(não para sua própria proteção). Os pontos de Saramago são bem feitos aqui: a micro -sociedade
dentro do asilo encontra -se, em primeiro lugar, sob o controle das autoridades externas, não é
formada, porque não requer nenhuma disciplina interna. Então, como mais e mais pessoas se vão
juntando aos internados do asilo, os subgrupos se formam e uma hierarquia de poder começa a
desenvolver -se dentro do complexo.
Os cegos sofrem o pior de todos os mundos, por um lado, com todo o caos da vida sem
visão, particularmente quando as pessoas param de se preocupar em procurar os banheiros
(levando a um “tapete de excrementos pisoteados”), mas também vítimas da subjugação da
população temível e em maior número, e os seus próprios bandidos internos, fornecendo um tipo
de ordem maligna. A cegueir a mostra um mundo de contradições: as pessoas jogadas juntas por
esse sofrimento são mais propensas a perdoar as transgressões uns dos outros, mas também se
tornam menos responsáveis. Um personagem que ainda pode ver, mas não o admite, tem o
benefício da v isão, mas o ônus da responsabilidade.

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Uma interpretação de Ensaio sobre a cegueira mostra quão frágil é a nossa civilização,
e como é que a sociedade próxima está a colapsar. Uma visão mais otimista pode apontar que, no
romance, é necessário um desastre ap arentemente impossível antes de a sociedade se desintegrar.
Também pergunta se as questões temporárias têm consequências duradouras e parece bastante
claro que, embora Saramago nã esteja mais entre nós, os seus livros ganharam uma vida própria
e perene.

3.3. Perfil psico -comportamental das personagens
A cidade em que as personagens de Saramago ficam cegas não tem nome. Nem as ruas
e os lugares. Seguindo o mesmo critério, Saramago também não deixa os seus personagens
possuírem nomes próprios. O motivo pode muito bem ser a importância que ele atribui ao tema
do seu romance, que ultrapassa o da identidade de seus personagens. Em outras palavras, elas
não são identificadas para ressaltar a convicção do escritor de que, no mundo moderno, os seres
humanos perder am completamente as suas identidades. É, também, o objetivo de Saramago de
que os seus personagens excedam o quadro do romance, constituindo -se em símbolos de
qualquer ser humano na era moderna. Apesar da falta de identidade dos personagens, no entanto,
cada pessoa ficcional no centro da história é descrita com uma característica proeminente.
Curiosamente, essas características definidoras têm algo a ver com seu estado de visão ou sua
profissão e relação com aqueles com problemas visuais .
O romance começa c om um homem dirigindo -se para casa dentro do seu carro. O
homem pára numa luz e logo fica cego. Ele visita um oftalmologista que não encontra nada
fisicamente errado com os olhos dele. Em poucas horas, o oftalmologista e a esposa do primeiro
homem também tornam -se cegos. O primeiro homem é então colocado em quarentena num
hospital psiquiátrico, abandonado por várias semanas, onde sofre condições espantosas. Ele
finalmente é forçado a permitir que a sua esposa seja estuprada em troca de comida, uma decisão
que ele rejeita fundamentalmente, mas, na prática, permite. Ele também é o primeiro a recuperar
a visão, quando a epidemia finalmente acaba:

“Irritado, já com a resposta azeda a sair lhe da boca, abriu os olhos e viu. Viu e
gritou, Vejo. O primeiro grito ainda foi o da incredulidade, mas com o segundo, e o
terceiro, e quantos mais, foi crescendo a evidência, Vejo, vejo, abraçou -se à mulher como
louco, depois correu para a mulher do médico e abraçou -a também, era a primeira vez

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que a via, mas sabia quem ela era, e o médico, e a rapariga dos óculos escuros, e o velho
da venda preta, com este não poderia haver confusão, e o rapazinho estrábico, a mu lher ia
atrás dele, não o queria largar, e ele interrompia os abraços para abraçá -la a ela, agora
voltara ao médico, Vejo, vejo, senhor doutor, não o tratou por tu como se tinha tornado
quase regra nesta comunidade, explique, quem puder, a razão da súbita diferença, e o
médico perguntava, Vê mesmo bem, como via antes, não há vestígio de branco, Nada de
nada, até me parece que vejo ainda melhor do que via, e olhe que não é dizer pouco,
nunca usei óculos. ” ( p.181)

A esposa do médico é a protagonista do roma nce. Ela é o único personagem desenhado
com os olhos porque ela é a única personagem que não fica cega. Ela é a líder, dominando todas
as relações interpessoais. Saramago descreve -a como uma figura de Cristo auto -governada que
representa a autoconsciência como uma qualidade exclusivamente humana. O médico era um
oftalmologista antes de ficar cego. Ao longo do romance, ele é um dos personagens mais
passivos, representando a confiança incontestável em sua esposa como uma figura de autoridade.
Ele tenta perman ecer racional na adaptação ao novo ambiente do asilo:

“Não o disse a voz desconhecida, aquela que falou dos quadros e das imagens do
mundo, está a dizê -lo, por outras palavras, noite alta, a mulher do médico, deitada ao lado
do seu marido, cobertas as cabeças com a mesma manta, Há que dar remédio a este
horror, não aguento, não posso continuar a fingir que não vejo, Pensa nas consequências,
o mais certo é que depois tentem fazer de ti uma escrava, um pau -mandado, terás de
atender a todos e a tudo, exigi r-te-ão que os alimentes, que os laves, que os deites e os
levantes, que os leves daqui para ali, que os assoes e lhes seques as lágrimas, gritarão por
ti quando estiveres a dormir, insultar -te-ão se tardares, E tu, como queres tu que continue
a olhar para estas misérias, tê -las permanentemente diante dos olhos, e não mexer um
dedo para ajudar, O que fazes já é muito. ” (Saramago, p.75)

O ladrão de carros ganha essa alcunha depois de roubar o carro do primeiro homem
cego. Ele ajudou o primeiro cego a cheg ar em casa e depois roubou -lhe, mas fica cego durante
este processo. Uma vez dentro do asilo, o ladrão de carros persegue outra personagem que o
golpeia involuntariamente na perna com o seu estilete. A ferida torna -se infectada e, em estado
de febre, o ladrã o de carros vai para fora onde vai ser abatido por soldados com medo de apanhar

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a “doença” da cegueira. Ele questionou a autoridade da esposa do médico uma vez que percebeu
que estava mantendo um segredo, mas durante o seu internamento no asilo foi por sua
misericórdia que ele sobreviveu:

“A mulher do médico pôs -lhe a mão na testa, depois fez o movimento de retirar -se,
mas não teve tempo nem de dar as boas noites, o doente agarrou -a por um braço e puxou –
a para si, obrigando -a a aproximar a cara, Eu sei que a senhora vê, disse numa voz muito
baixa. A mulher do médico estremeceu de surpresa, e murmurou, Está enganado, aonde é
que foi buscar essa ideia, vejo tanto como qualquer dos que aqui estão, Não me queira
enganar a senhora, eu bem sei que vê, mas este ja descansada que não digo a ninguém,
Durma, durma, Não tem confiança em mim, Tenho, Não se fia da palavra de um gatuno,
Já lhe disse que tenho confiança, Então por que não me diz a verdade, Amanhã falamos,
agora durma, Pois sim, amanhã, se lá chegar, Não devemos pensar o pior, Eu penso, ou
então é a febre que está a pensar por mim. ” ( Saramago, pp.40 -41)

A jovem de óculos escuros era uma prostituta, trabalhando no momento em que ela foi
atingida pela cegueira. Dentro do asilo, ela assume o papel de cuida r de um menino que estava
em quarentena sem os seus pais. Ela segue inquestionavelmente a esposa do médico e torna -se a
sua companheira mais próxima ao longo do romance. O menino com estrabismo aparece no
princípio do romance como paciente do médico, porque tinha um estrondo peculiar que
permaneceu mesmo depois que ele ficou cego. Ele representa uma figura duplamente
dependente, por causa da cegueira e por causa da idade:

“A mãe não vinha com ele, não tivera a astúcia da mulher do médico, declarar que
estava cega sem o estar, é uma criatura simples, incapaz de mentir, mesmo para seu
bem… Em voz baixa, a rapariga continuava a consolar o rapazinho, Não chores, vais ver
que a tua mãe não se demora .” (Saramago, p. 24)

O velho com a venda preta é único porque ele já estava meio cego. Quando ele foi
levado para o asilo, ele conseguiu levar um rádio transistor que permitiu ao grupo reconectar -se
com o mundo exterior através das notícias. Ele liderou um ataque fracassado co ntra o grupo que
tinha o controle da comida. O ataque falhou porque ele não podia ver. O velho com a venda preta
não tinha consciência de si mesmo e não podia avaliar adequadamente o entorno para criar um

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ataque viável. Isto é mantido em justaposição para o sucesso da esposa do médico, mais adiante
no romance. O homem com a arma usurpou o poder sobre todo o asilo simplesmente por possuir
uma arma de fogo. Ele e a sua gangue ocuparam uma ala inteira e solicitaram bens materiais e
sexo em troca de alimentos:

“Então a mulher do médico, aterrorizada, viu um dos cegos quadrilheiros tirar do
bolso uma pistola e levantá -la bruscamente ao ar. O disparo fez soltar -se do tecto uma
grande placa de estuque que foi cair sobre as cabeças desprevenidas, aumentando o
pânico. O cego gritou, Quietos todos aí, e calados, se alguém se atreve a levantar a voz,
faço fogo a direito, sofra quem sofrer, depois não se queixem. Os cegos não se mexeram.
O da pistola continuou, Está dito e não há volta atrás, a partir de hoje seremos n ós a
governar a comida, ficam todos avisados, e que ninguém tenha a ideia de ir lá fora buscá –
la, vamos pôr guardas nesta entrada, sofrerão as consequências de qualquer tentativa de ir
contra as ordens, a comida passa a ser vendida, quem quiser comer, paga .” (Saramago,
p.78)

3.4. A imagem da cegueir a

A visão é o sentido que mais tememos perder. Criar um mundo com uma inexplicável
pandemia de cegueira, como o principal romancista de Portugal, José Saramago, faz neste
romance é jogar com uma das nossas preocupações mais profundas.
No momento em que as medidas tentadas em vão pelas autoridades estão esgotadas,
toda a população humana, exceto uma mulher, esposa do oftalmologista que primeiro
diagnosticou o contágio, é cega. A perda de controle é, portanto, total. Não há conhecimento,
nem hierarquia, nem política, nem eletricidade, nem água. Em tal mundo, nada pode ser
assumido. O lixo e o esgoto acumulam -se nas ruas e os suprimentos de comida são
incessantemente disputados. Sob essas circunstâncias extremas , Saramago pergunta: o que
constitui um ser humano?
O romance baseia -se numa história literária ressonante da cegueira. Mas, como esse é
um trabalho de Saramago, o paradoxo é a ordem do dia. Somente aqueles que são vistos podem
ver, a esposa do médico perd e o sentido da visão, quando perde o sentido de identidade.
Outras características do estilo de Saramago também estão fortemente presentes. Um
“cão de lágrimas” guia os doentes pelo inferno da perseguição, pois a vida e a arte são encaradas

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como uma jornad a. Então há um escritor que não pode deixar de escrever, mesmo que não possa
ler suas próprias palavras. Saramago é um mestre na criação de sociedades tão repentinamente
traumatizadas que precisam de descobrir novamente o que significa viver juntos. O sent ido de
deslocamento em seu trabalho é reforçado por não sabermos nada sobre “quando, onde, quem e
por que”, questões que dizem respeito a jornalistas e editores (como Saramago era, em uma
carreira anterior).
Ensaio sobre a cegueira é o relato distópico de uma epidemia de cegueira branca que
afeta os habitantes sem nome de um país sem nome. A cegueira amplifica o desamparo e a
interdependência de todos e revela mentiras que o homem diz a si mesmo. A perícia inútil do
oftalmologista f unciona como um emblema disso. Essa verdade é o que o homem não suporta
ver. No contexto do romance, ver é um ato corajoso.
Numa passagem que lembra o Memorial do Convento , a esposa do médico encontra
algumas imagens veladas numa igreja e, em resposta à ob servação do marido sobre a cegueira
das imagens, ela diz: “ Engano teu, as imagens vêem com os olhos que as vêem, só agora a
cegueira é para todos,” ( p.178)
No Memorial do Convento , o simbolismo da visão representa o processo discursivo de
ver a fragilidad e do registro histórico de eventos e o perene conceito de verdade. Caso contrário,
em Ensaio sobre a cegueira , o simbolismo evolui para a consciência de que o que mantém a
catástrofe e a barbárie fora é a nossa capacidade de ver, compreender e controlar o nosso mundo.
No final do romance, a esposa do médico, que foi a única a ver o colapso total da
sociedade, sente que o seu privilégio de ver a cegueira se tornou o pior de todos. O narrador
refere -se a ela como a mulher “que nasceu para testemunhar o horror ”. Assim que a visão é
restaurada, para os cegos a memória da terrível experiência parece desaparecer no ar.
Aparentemente, a esposa do médico é a única a se aproximar da consciencialização. Suas últimas
palavras parecem confirmar isso:

“Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão,
Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos
cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem. ” (p. 183)

Ao aceitar o seu prémio Nobel, Saramago, chamando a si mesmo de “aprendiz ”, disse:
“O aprendiz pensou: 'somos cegos', e ele se sentou e escreveu Ensaio sobre a cegueira para

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lembrar aos que liam que pervertemos a razão quando humilhamos a vida, que a dignidade
humana é insultada todos os dias pelos poderosos de nosso mundo, que a mentira universal
substituiu as verdades plurais, que o homem parou de se respeitar quando perdeu o respeito
devido a seus semelhantes.”
Neste livro há pessoas sem poder, que insultam a dignidade humana, pessoas comuns,
aterrorizadas em encontrar -se a si mesmas e a todos os outros cegos, tudo fora de controle.
Alguns se comportam com brutalidade estúp ida e egoísta. O grupo de homens que toma o poder
num asilo e usa e abusa dos doentes mais fracos, de fato abandonou o respeito próprio e a
decência humana: eles são um microcosmo da corrupção do poder. Mas os verdadeiramente
poderosos do nosso mundo nem a parecem no romance, os pervertedores da razão, os mentirosos
universais, o governo errado.
Saramago usa a cegueira para criar uma alegoria sobre o colapso da humanidade e da
moralidade nas sociedades modernas. Ele sugere que, como sociedade, não podemos li dar com o
nosso estado pós -moderno, com a sua violenta violência, opressão e falta de empatia .
O romance também pode ser interpretado de um ponto de vista filosófico e existencial.
Alguns podem querer comparar este romance com o romance de Camus, La Peste ,
particularmente em relação à insistência na lógica absurda perante uma epidemia. A partir dessa
perspetiva, a cegueira é uma alegoria sobre a condição humana. Na ausência de normas sociais
ou culturais, entendemos mais claramente o núcleo da humanidade. A descrição dura de
violência e perda de dignidade reforça relatos pessimistas sobre a crueldade da humanidade:

“Passada uma semana, os cegos malvados mandaram recado de que queriam
mulheres. Assim, simplesmente. Tragam -nos mulheres. Esta inesperada, ainda
que não de todo insólita, exigência causou a indignação que é fácil de imaginar,
os aturdidos emissários que vieram com a ordem voltaram logo lá para comunicar
que as camaratas, as três da direita e as duas da esquerda, sem excepção dos cegos
e cegas que dormiam no chão, haviam decidido, por unanimidade, não acatar a
degradante imposição, objectando que não se podia rebaixar a esse ponto a
dignidade humana, neste caso feminina (…). A resposta foi curta e seca, Se não
nos trouxerem mulheres, não comem. ” (Saramago, p.165).

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As duas organizações sociais da quarentena, a do médico e a do homem armado,
podem ser vistas como duas representações críticas de formas rivais de governo. Dentro da
quarentena, poderíamos dizer que a primeira organização política s urgiu por causa do
racionamento da comida e do enterro dos corpos. Nestas situações, os internados foram forçados
a trabalhar juntos para encontrar uma solução, muitas vezes com o médico mediando. Esse
arranjo, no entanto, é ineficiente e conta, essencialm ente, com boa vontade para continuar.
Se a organização política do médico é criticada, devemos considerar as críticas
implícitas às formas autoritárias de governo, exemplificadas pelo regime do homem armado.
Este regime é executado com medo, ao contrário d a boa vontade, mas tem o benefício de ser
eficiente. Vários internados fazem esta observação depois que o homem com a arma tomou o
poder. Este governo não é diferente do do médico, exceto pelo fato de que, no caso do homem
armado, todas as falhas da humani dade estão concentradas em um homem. Assim, o governo
centralizado sempre acabará mais abertamente corrompido porque é a corrupção de uma pessoa
ampliada.
Não é por acaso que o ditador na quarentena é cego e que suas ameaças com a arma são
indiretas. É ass im que as autocracias se mantêm, elas ameaçam a violência e a violência é
assustadora, pois pode não seguir um padrão real.
Em face desses retratos pessimistas da organização política, temos esperança no
romance. A única organização que é capaz de durar ao longo do romance não é um governo, mas
uma espécie de unidade de parentesco de fato. As pessoas da primeira ala são essenci almente
uma família adotiva. É esse tipo de pertença e esse tipo de relacionamento que é valorizado no
romance Ensaio sobre a Cegueira :

“Voltemos à questão, disse a mulher do médico, se continuarmos juntos
talvez consigamos sobreviver, se nos separarmos seremos engolidos pela massa e
destroçados, Disseste que há grupos organizados de cegos, observou o médico,
isso significa que estão a ser inventadas maneiras novas de viver, não é forçoso
que acabemos destroçados, como prevês, Não sei até que ponto estarão realmente
organizados, só os vejo andarem por aí à procura de comida e de sitio para
dormir, nada mais, Regressámos à horda primitiva, di sse o velho da venda preta,
com a diferença de que não somos uns quantos milhares de homens e mulheres

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numa natureza imensa e intacta, mas milhares de milhões num mundo descamado
e exaurido. ” (Saramago, p. 123)

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4. ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA: ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA DE
FERNANDO MEIRELLES

4.1 Técnicas fílmicas
Em Ensaio sobre a cegueira, adaptação de Fernando Meirelles do romance do José
Saramago, a civilização humana é ameaçada por um súbito e virulento surto de metáfora. À
medida que as pessoas percorrem as suas vidas diárias numa cidade não identificada (uma
composição brilhantemente filmada de Toronto, Tóquio e São Paulo), elas começam, uma a uma,
a perder a visão. Nenhuma causa orgânica pode ser encontrada para essa condição, que se
manifesta não como uma descida às trevas, mas como uma penugem, como se o mundo se
tivesse tornado num a página em branco, uma tela vazia ou uma poça de leite.
O pânico instala -se, e o governo coloca em quarentena os doentes, num sanatório não
utilizado, onde eles oferecem um espetáculo que revela as verdades profundas e feias da natureza
humana para o bene fício de um público encorajado a imaginar o que tudo isso significa. Pode -se
observar, em primeiro lugar, os fracassos da compaixão que saúdam o surto inicial e depois,
quando os cegos são sequestrados, o declínio de uma sociedade improvisada torna -se numa
condição primordial da guerra tribal. Vemos a decência, a razão e o sentimento de
companheirismo desafiados por impulsos mais fortes de dominação e de egoísmo, e observamos
como a bondade pode triunfar por meio da violência e do engano.
Ensaio sobre a ceg ueira concentra -se num pequeno grupo de pessoas, cada uma com
uma identidade temática e uma clara função narrativa, não uma com um nome. Quando se
deparam com a ala de quarentena, esses personagens apresentam -se pelo número, segundo a
ordem de chegada e po r profissão, evidência de que foram despojados de sua humanidade não
pela doença ou pelo Estado, mas sim por Saramago e por Don. McKellar, o roteirista.
O grupo principal, a maioria dos quais encontramos pelo menos brevemente antes do
encarceramento, inclu i um oftalmologista e sua esposa (Mark Ruffalo e Julianne Moore); uma
prostituta (Alice Braga); um ladrão (o Sr. McKellar); um velho misterioso (Danny Glover); uma
criança (Mitchell Nye); e um casal japonês (Yusuke Iseya e Yoshino Kimura). Seus rivais,

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esquartejados em outra ala, são liderados por um barman (Gael García Bernal), que se transforma
num monarca cruel e caprichoso e cuja ascensão ao poder é auxiliada por um tenente (Maury
Chaykin) com a vantagem de ter sido cego toda a sua vida.
A esposa do oftalmologista manteve a sua visão (e permaneceu leal ao lado do marido),
o que dá a seu clã esfarrapado um pouco de vantagem na luta pela dominação e sobrevivência
que ocupa a longa seção intermediária do filme. Sua condição também faz dela uma substituta
para o público e o ingrediente crucial no enredo temático obscuro do filme. Nós nos perguntamos
por que ela sozinha foi poupada. Também nos perguntamos se, ou como, sua paciência e piedade
aparentemente ilimitadas resistirão ao desafio de cuidar de uma fa mília acidental e imunda e
aterrorizada .
Uma transmutação interessante ocorre às vezes quando a maquinaria pedagógica desse
tipo de livro é trazida para a tela. De acordo com Samuel Taylor Coleridge, “uma alegoria é
apenas uma tradução de noções abstratas em uma linguagem pictórica, que em si mesma nada
mais é que uma abstração de objetos dos sentidos ” (Coleridge :345).
Essa crítica aplica -se perfeitamente ao romance de Saramago, mas Coleridge estava
escrevendo quase um século antes de os filmes completarem esse processo, restaurando a essas
abstrações um grau de imediatismo sensual que ele nunca poderia ter previsto.
Em outras palavras, os personagens do filme de Meirelles podem ser cifras, como estão
no universo mecânico do romance de Saramago, mas também s ão Julianne Moore, Mark
Ruffalo, Alice Braga e os demais nomes listados entre parênteses acima. E este simples fato faz
uma grande diferença. O elevado e humanista ideológico defensivo de Saramago não tem lugar
para seres humanos reais, mas atores desse ca libre não sabem como ser qualquer outra coisa. O
rosto pálido de ossos finos de Moore é um instrumento preciso e delicado demais para obedecer
às diretrizes simplistas da história, e o resto do elenco compartilha sua incapacidade de sacrificar
nuances físi cas ou psicológicas a serviço de idéias vagas.
“Normalmente, quando faço um filme, posso começar indo ao Google, fazendo
pesquisa”, disse Fernando Meirelles, nervosamente, poucas horas antes de uma exibição em
Montreal de seu ambicioso novo filme “Blindnes s”. “Mas este é um filme baseado em nada”,
disse ele. “Tudo foi inventado – uma cidade genérica com personagens que não têm nomes nem
passado, apanham uma doença que não existe. Depois que comecei a trabalhar no filme, percebi,
uau, isso é como uma armadil ha. Essa é uma metáfora possível. ” No filme, como no livro, todos

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os personagens, exceto um, a esposa de um oftalmologista interpretada por Julianne Moore,
aparecem com a aflição do título, que é desconcertantemente contagiante.“Na maioria dos
filmes, tudo é baseado nos olhos”, disse Meirelles. “Você corta para mostrar onde o personagem
está olhando, é assim que você conta histórias. É tudo sobre o ponto de vista, e eu não ia fazer
esse filme mostrando apenas o ponto de vista do personagem de Julianne. Entã o, como você
envolve as pessoas com os personagens quando não consegue colocá -los na mesma posição
visualmente?”
Sua solução era “colocar a audiência nesse mundo cego, para tentar desconstruir a
imagem, se é que posso dizer isso”. “Às vezes a imagem é desb otada, às vezes está fora de foco,
às vezes o enquadramento é totalmente errado, deliberadamente ”, continuou ele, “e no final do
filme eu até tentei separar o som da imagem, mostrando um personagem com a boca fechada,
mas você está ouvindo a voz dele.”
Apesar da natureza especulativa da trama e da aura penetrante da desgraça, “isso não é
ficção científica, na verdade”, insistiu Meirelles. “É uma metáfora. ”
É claro que o terror e a ficção científica também são conhecidos por traficar metáforas,
mas Meirell es abordou claramente essa história difícil sem muitos preconceitos de gênero. A
secção mais longa e angustiante de Ensaio sobre a cegueira acontece em uma instalação de
detenção, fortemente vigiada, onde o governo colocou em quarentena as primeiras vítima s da
epidemia, e essas cenas, apesar de seus gestos esporádicos em direção à “desconstrução” visual,
são filmadas com o tipo de realismo hipercinético e imersivo que o Sr. Meirelles trouxe para os
seus filmes anteriores, “Cidade de Deus” (2002) e “O Fiel j ardineiro” (2005). É só na última
meia hora, quando os protagonistas saem do enclausuramento , vagam pela devastada e caótica
cidade em busca de comida e abrigo, que o filme começa a se assemelhar às narrativas do fim do
mundo. Tudo se tornou tão acostumado. Entulho, lojas saqueadas, cachorros famintos, medo,
mau comportamento: todos estivemos lá.
Meirelles disse que o seu filme “não é uma história como essa, sobre uma doença e
alguém procurando por uma cura”. Ele acrescentou: “A praga aqui é apena s uma desculpa para
explorar o comportamento humano – como essa cegueira afetou as pessoas, como se ninguém
pudesse vê -los e eles poderiam fazer qualquer coisa, sabendo que eles não serão julgados.”
A maioria dos filmes que lidam com eventos apocalípticos, especialmente pragas,
contorna a inerente frieza do prospecto humano postulando uma saída do impasse do fim do

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mundo, como aquela cura que o Sr. Smith descobre nos últimos minutos de “Eu Sou a Lenda”.
Ou o barco que aparece no final de “Filhos da Esperanç a ”para resgatar a primeira criança
nascida no mundo por 18 anos e assim salvar a raça humana da extinção. Sem esperança, o que o
espectador pode observar é algo mais como “O Sétimo Selo ” de Bergman (1957): Praga em toda
parte, agonizante e incurável, a úl tima esperança da humanidade em um jogo de xadrez com a
Morte, que não joga de maneira justa.
É arriscado para Meirelles fazer um filme apocalíptico que não exteriorize os nossos
medos na forma de zumbis, vampiros ou monstros gigantes de origem indetermina da como em
“Cloverfield ” (2008).
É preciso de muita fé para tentar imaginar o mundo dessa maneira, apenas fechando os
olhos e investindo no vazio. Meirelles está convencido de que o risco vale a pena. “Este filme ”,
disse ele, “é sobre como perdemos a nos sa humanidade e como recuperamos isso, como
aprendemos a enxergar novamente ”. Em outras palavras, a brancura que os personagens desse
filme veem não é, ou não tem que ser apenas cegueira: é também a luz no fim do túnel.
Meirelles às vezes parece excessivam ente interessado em prender imagens, manipular a
luz, a cor e a composição em detrimento da clareza emocional ou narrativa. Aqui, ele se diverte
no paradoxo de tentar usar um meio visual para transmitir a experiência da ausência de visão e se
destaca em mo strar como o mundo dos cegos pode parecer. E ele não está acima de explorar os
aspectos có micos e horríveis de sua condição, pontuando cenas de crueldade e pavor com
momentos de palhaçada sombriamente divertida.
Meirelles escolheu São Paulo como pano de f undo para o filme, apesar de algumas
cenas que também terem sido filmadas em Osasco, no Brasil; Guelph, Ontário, Canadá; e
Montevidéu, Uruguai. Com todos os personagens, além de o personagem de Julianne Moore ser
cego, o elenco foi treinado para simular a cegueira. O diretor também estilizou o filme para
refletir a falta de visão que os personagens experimentariam. Meirelles disse que vários atores
com quem ele conversou foram intimidados pelo conceito de interpretar personagens sem nomes:
“Eu ofereci o fi lme para alguns atores que disseram: 'Eu não posso interpretar um personagem
sem nome, sem história, sem passado. ' ”
O elenco e a equipe incluíam 700 figurantes que precisavam ser treinados para simular
a cegueira. O ator Christian Duurvoort, da “Cidade d e Deus ” de Meirelles, liderou uma série de
oficinas para treinar os membros do elenco. Duurvoort havia pesquisado os maneirismos dos

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cegos para entender como eles percebem o mundo e como eles fazem o seu caminho através do
espaço. Duurvoort não apenas ensi nou os maneirismos extras, mas também para transmitir os
estados emocionais e psicológicos dos cegos. Uma técnica estava reagindo aos outros como uma
pessoa cega, cujas reações são geralmente diferentes das de uma pessoa com visão. Meirelles
descreveu: “Quando você está falando com alguém, você vê uma reação. Quando você está cego,
a resposta é muito mais plana. Qual é o objetivo de reagir? ”.

4.2 Estratégias de representação
Meirelles reconheceu o grande desafio de fazer um filme que simulasse a experiência
da cegueira para o público. Ele explicou: “Quando fazes um filme, tudo está relacionado ao
ponto de vista, à visão. Quando tens dois personagens num diálogo, a emoção é exp ressa pela
forma como as pessoas se olham, através dos olhos. Semelhante ao livro, a cegueira no filme
serve como uma metáfora para o lado sombrio da natureza humana: preconceito, egoísmo,
violência e indiferença ”.
Com apenas um ponto de vista disponível, Meirelles procurou mudar os pontos de vista
ao longo do filme, vendo três secções estilísticas distintas. O diretor começou com um ponto de
vista omnisciente, transitou para o ponto de vista intacto da esposa do médico e mudou
novamente para o velho com a venda preta, que conecta o mundo em quarentena ao mundo
exterior, contando histórias . O diretor concluiu esta perspectiva com a combinação da
perspectiva da esposa do médico e a narrativa do velho com a venda preta.
O filme também contém pistas visuais, como a pintura de 1568, A Parábola dos Cegos ,
de Pieter Bruegel, o Velho. Alusões a outras obras de arte famosas também são feitas. Meirelles
descreveu a sua intenção: “É sobre imagem, filme e visão, então eu acho que faz sentido criar,
não uma história de pintura, porque não é, mas ter diferentes maneiras de ver as coisas, de
Rembrandt a esses artistas contemporâneos. Mas é uma coisa muito sutil ”.
Antes do lançamento público, Meirelles selecionou Ensaio sobre a cegueir a para testar
as audiências. Ele descreveu o impacto das exibições de testes: “Se souberes como usá -lo, como
fazer as perguntas certas, pode ser realmente útil ”. Um primeiro teste de Meirelles em Toronto
resultou em dez por cento da audiência, quase 50 pe ssoas, saindo do filme cedo. Meirelles
atribuiu o problema a uma cena de estupro que ocorre no meio do filme, e editou a cena para ser
muito mais curta no corte final.

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Meirelles explicou o seu objetivo: “Quando eu filmava e editava essas cenas, eu fazia
de uma maneira muito técnica, me preocupava em como enfatizar isso, e perdi a sensação da sua
brutalidade. Algumas mulheres estavam realmente zangadas com o filme, e pensei: Uau, talvez
eu tenha cruzado a linha. Voltei para não agradar a platéia, mas eles pe rmaneceriam envolvidos
até o final da história.” Ele também descobriu que uma exibição de testes em Nova York
expressava preocupação com uma vítima no filme, que não se vingou. Meirelles acreditava que
essa preocupação refletia o que os americanos aprender am a esperar no seu cinema.
Meirelles esgotou o desejo de Saramago ao encenar uma metrópole não -europeia
anónima com identidades étnicas marcadas, destinada a dar uma ideia do que seria a
disseminação da epidemia à escala global. Filmado em São Paulo pela sua arquitetura não
identificável e sua grande pluralidade étnica (incluindo uma grande comunidade japonesa),
Ensaio sobre a cegueira explora as diferenças físicas e étnicas entre os seus personagens, onde o
romance teve o cuidado de não desenvolver este a speto, tanto quanto possível as percepções do
cego (com mudanças recorrentes do ponto de vista e descrições de sensações, restituições de
pensamentos). Este é o paradoxo interessante que marca todo o filme: adaptar o romance sobre a
cegueira ao cinema, a arte visual por excelência.
O primeiro desa fio que isso implica é o da representação da própria cegueira. Se os
primeiros minutos do filme, que remontam ao próprio momento do contágio, não atingem o
poder das palavras de Saramago, é só porque jogam uma carta muito diferente da do autor e que
pelo m enos tem o mérito de marcar uma vontade de expressão plástica independente das
palavras, que têm seu próprio impacto.
A cegueira, em ambos os casos, é menos explicável (especialmente por cientistas, não
poupados pela epidemia) que é branca, enquanto os ceg os dizem “no escuro”. Assim, Meirelles
abre o seu filme por uma espécie de onda branca que constantemente cobre a imagem e consegue
fazer com que o branco, associado à calma, à plenitude, seja aterrorizante. Se o desvanecimento
da imagem pode parecer muito artificial, é claro que o cineasta também usa luz, reflexos e
elementos de decoração com certa destreza: nas janelas ou nos corpos brilhantes dos carros, ou
mesmo nos óculos escuros da prostituta que perde a visão no exato momento em que ela tem um
orgasm o, a luz é refletida ao ponto de ofuscar o espectador também.
O cineasta orquestra sua onda de contágios, suas rápidas transições de um caso de
cegueira para outro, brincando com o espaço, os objetos presentes no seu quadro (uma passagem

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para pedestres, um a placa branca que reflete no vidro de um carro, os padrões brancos de um
tapete, etc.), os movimentos da câmera e, claro, o foco, o desfoque da imagem. Só precisa de
cerca de quinze minutos para dar a impressão de definir pela própria forma do filme uma
população inteira, e nós com ela.
O sentimento de opressão e a progressão da epidemia de cegueira parecem então ser
proporcionais à parte da branquidade que preenche um determinado plano. Quando esta
tendência é verificada na própria casa do médico em cujo gabinete todos os personagens que
vimos contaminados até então vieram procurar ajuda, então um estágio é alcançado. Isso ocorre
porque o médico (Mark Ruffalo) é, por assim dizer, “no final da linha”, a última pessoa a quem
os cegos confiam depois de contar inicialmente com os seus queridos. Por sua vez, a mulher do
médico é reduzida a uma silhueta difusa na qual a câmera parece não conseguir focar .

4.3. O estilo poético de Fernando Meirelles
É interessante ver que Meirelles tenta encontrar formas originais de abordar o tema da
cegueira, aproximar a percepção dos personagens ao espectador, em outras palavras, a cegueira
deles. Nós “vemos ” esses personagens cegos como se fôssemos cegos. Claro, esta técnica não é
mantida durante todo o filme, por uma questão de clareza da imagem. Uma vez que a epidemia
atinge a casa do médico, um novo filme começa. Em seu centro há um personagem que parece
escapar tanto da contaminação quanto da representação visual associada a ele. Em Meirelles e
Saramago, esse personagem não tem nome, então, por falta de algo melhor, ela será chamada de
“a esposa do médico". Uma cena é suficiente para nos fazer entender a e sposa amorosa e
devotada que ela é, quase dando a impressão de estar enrolada à sombra do marido,
compartilhando com ele as suas suposições pessoais sobre a natureza da epidemia.
A causa da resistência da esposa do médico à contaminação não será explicada mais no
filme do que no romance original. Esta eleição é dada como tal, sem que o autor seja conhecido.
Não há necessidade de racionalidade absoluta nem mesmo dentro da história, é bastante óbvio
que isso é uma parábola. Neste sentido, as representações da s figuras religiosas na parábola são
misteriosamente “cegas” no filme, os olhos cobertos com um lenço (para uma estátua) ou
rabiscados (para uma representação pictórica). Essa parece ser uma maneira de Saramago
apontar o significado não religioso de sua hi stória. Apenas se pensarmos na sua polêmica “O

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Evangelho Segundo Jesus Cristo” (1991) para nos lembrar que, aos seus olhos, Jesus é uma
vítima sacrificial e Deus (ou a idéia de Deus) culpado de todo o sangue que é deixado para trás.
Ao mesmo tempo em que i ntegrou bem esse posicionamento do autor, Meirelles
diverte -se em deixar o espectador enganar -se ilusoriamente, aqui e ali, com alguma pista (nunca
confirmada) que possibilitaria esclarecer o caso da esposa do médico. Um plano é
particularmente impressiona nte onde, quando ela escolhe acompanhar o marido ao hospital e
assim, tacitamente, viver com ele o que será uma provação real, a esposa do médico aparece de
olhos vazios pela cruz em forma de janela da ambulância, como uma figura sacrificial pronta
para su portar a miséria do mundo.
A miséria do mundo, será suficientemente apresentada na tela durante a hora que se
segue para alguns espectadores julgarem o filme como algo que possa ser considerado
impossível. É óbvio que o segundo grande desafio envolvido na adaptação do romance de
Saramago foi a representação da violência da degradação social. Os primeiros infectados são
colocados em quarentena num hospital abandonado, onde são rapidamente deixados sozinhos,
privados de qualquer referência. Eles terão que enf rentar a necessidade primitiva de todos, a
vontade de sobreviver a qualquer preço.
Alguns tentam preservar um mínimo de dignidade humana, mas são gradualmente
forçados, pela força das coisas, a entrar em guerra contra aqueles que entenderam desde o início
que, para sobreviver com suprimentos quase inexistentes, isso significaria esmagar o outro. É
descrito no romance como os homens vivem juntos, defecam em qualquer lugar, já que são
incapazes de encontrar o banheiro e copulam onde e quando podem, por necess idade visceral, até
coagir o outro, encenar problemas morais. Nesse nível, ele ainda está tentando aproximar o mais
possível as suas representações partidárias da percepção e do sentimento de seus personagens
que Meirelles consegue passar.
Primeiro, a imag em fica imediatamente mais escura assim que a ação acontece no
hospital em desuso, onde os infectados são agrupados. Mas acima de tudo, Saramago já sabia,
em seu romance, propor uma reflexão sobre o que resta do reflexo civilizado, da cultura no
homem quan do a natureza retoma o topo. A sala onde os homens do dormitório 3 violam as
mulheres dos outros dormitórios (esta é a condição para que eles recebam um mínimo de
comida) é mergulhada na escuridão pelos próprios cegos, que cobrem as janelas com o que

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encon tram, como se escapassem do espetáculo de sua própria depreciação se alguma vez sua
visão retornasse tão repentinamente quanto partisse.
Assim, essa terrível sequência de estupros só será perceptível por alguns trechos de
pele mal iluminada, aqui e ali, e especialmente pelo som, que inevitavelmente beneficia, ao
longo do filme, de um trabalho privilegiado.
A questão moral da representação, Meirelles, desaba especialmente colocando menos
horror do que o olhar que representa a esposa do médico. Basta um simples olhar para interagir
com o nosso e nos permitir posicionar -nos em relação a ela. Por que a esposa do médico demora
tanto para agir? Por que, enquanto ela pode ver, ela não procura influenciar mais rapidamente a
situação, ela que tem uma vantagem crucial sobre os outros? O fato de que o filme conta a
consciência muito progressista do caráter de uma responsabilidade que anteriormente ignorou
convida o espectador a pensar sobre o que significa olhar p ara uma dura realidade .
Saramago escreveu: “Pela primeira vez desde sua chegada, a esposa do médico sentiu
que estava atrás de um microscópio observando o comportamento de seres humanos que nem
suspeitavam de sua presença, e de repente isso lhe pareceu de sprezível e obsceno. Não posso ver
se os outros não podem me ver, ela pensou. ” (Saramago, p.25). A esposa do médico é
claramente uma pessoa boa, pura e pouco pervertida, que, portanto, não precisa ser “purificada ”
pelo teste da cegueira (talvez essa seja a razão para sua eleição). Ela não se aproveita de sua
posição para se entregar a qualquer tipo de voyeurismo – é também porque Meirelles adota a
maior parte do tempo esse aspe to único de caráter que também ignora muitas das armadilhas da
representação.
Ela não está apenas investida, de fato, com a missão de criar uma nova civilização, mas
é também a única testemunha da progressiva decadência de sua espécie. Os momentos em que se
olha são de importância crucial, porque eles determinam a continuação da tra ma: até que ponto
será realizada por ser a única testemunha de tantos horrores? Em outras palavras, a capacidade de
Julianne Moore de transmitir emoções em silêncio. Isso quer dizer que a podemos considerar,
após tal desempenho, como uma das maiores atrize s de sua geração.
A esposa do médico é o único personagem capaz de perceber, connosco, as sub -intrigas
que são amarradas durante o filme de uma maneira ainda mais notável que não temos a que nos
apegar, nem a história, nem mesmo o nome da mulher. A este re speito, Ensaio sobre a Cegueira
é um filme profundamente original. As cenas de contaminação revelam mais tarde uma

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verdadeira razão para ser dramático: a esposa do médico e nós reconhecemos os personagens
vistos nas primeiras sequências e os vemos “tirar v antagem ” da cegueira para mudar as suas
vidas. Assim, a jovem de óculos escuros (Alice Braga) que ouve a mulher que a contaminou
prometer matá -la e que naturalmente não revela sua identidade de prostituta; ou uma outra
mulher que, cega, termine de deixar o seu marido violento que já, clarividente, fugiu.
A esposa do médico testemunha, em silêncio, o encarceramento de seu marido. A
castração psicológica que foi mencionada sobre o médico certamente não tem contrapartida
física. Mas se a sua parte animal ressurge mais do que nunca, o cérebro reptiliano (comer , beber,
copular) não assume o controle. O filme envolve esses alicerces culturais que resistem mesmo
quando não são muito apreciáveis: se o marido acaba cedendo aos seus impulsos com outra
mulher, é porque não consegue mais sentir -se suficientemente “masc ulino”, suficientemente
dominante para a sua esposa afoga -o e prefere “fugir ” do que aceitar uma evolução de seu
respectivo status dentro do casal. Quanto à atração do dinheiro, também está presente, mesmo
que seja absolutamente absurdo em tais condições.
Mas a heroína também olha ao seu redor, às vezes com uma aparência de esperança,
extremamente comunicativa, mas francamente. Ela assiste a um casal improvável, entre a bela
jovem de óculos escuros e o velho com a venda preta (Danny Glover) só antes da epid emia. As
sequências entre as mulheres são, em particular, de grande beleza. Aquela onde elas carregam
juntas o corpo de uma delas, que foi estuprado e abusado até à morte pelos homens do dormitório
3, e todas procuram lavá -lo sem necessariamente ver o que elas fazem, só porque o gesto parece
importante para elas. Ou a do chuveiro comum no final do filme, mergulhada em uma escuridão
da qual a única luz parece emanar dos próprios corpos nus.
Assim, à medida que o filme avança, o choque provocado por certas pa ssagens é
relativizado pela compreensão do caráter fundamental da obra. A cegueira é um épico humano
que empurra o homem para sua última contenção, faz com que ele retorne a um estágio quase
animal, onde o instinto de sobrevivência prevalece sobre todo o r esto, onde a selvageria passa
por violência desmarcada dentro e ao redor dos prisioneiros do campo, onde os impulsos não são
mais reprimidos. Esse “retorno ao zero ” da natureza humana confere ao trabalho uma clara
dimensão filosófica.
À maneira de um Descartes que duvida de tudo para não mais duvidar, os homens
ficam cegos aqui para, depois, enxergarem melhor. A citação do “Livro de Conselhos ” destacada

51
pelo romance de Saramago é bem ilustrada aqui: “Se você puder olhar, veja. / Se você puder ver,
observe. ” Parece que a única pessoa que é suficientemente pura para saber como olhar , a esposa
do médico, é a única que pode ter o privilégio de observar a cegueira dos seus companheiros.
Uma cegueira que não é apenas física, e não realmente n ova, como um dos personagens
do romance dizia: “Eu não acho que nos tornamos cegos. Acho que sempre fomos. ” Uma
cegueira que parece caracterizar uma sociedade inteira, o resultado de ideologias de todos os
tipos, o egoísmo e a negação. Poder -se-ia quase es tender o exercício do romance com “Se você
puder observar, aja de acordo. ”
A primeira ação espontânea é o restabelecimento de fortes vínculos interindividuais, a
reconstrução de uma civilização (os cegos se formam espontaneamente em grupos solidários
para sobreviver ou mesmo se mover). Saramago, um comunista reivindicado, não diz nada mais
do que isso: em face da adversidade, tudo o que resta é a comunidade.
A narração do velho com a venda preta descreve a esposa do médico, que olha para um
céu branco e p ensa que ela é cega, por sua vez, enquanto os outros cobrem os olhos um após o
outro. Mas quando ela olha para baixo novamente, a cidade está lá na frente dela. A cidade não
mudou todo esse tempo e, no entanto, parece ter acabado de sair do chão, nova.

“A mulher do médico levantou -se e foi à janela. Olhou para baixo, para a rua
coberta de lixo, para as pessoas que gritavam e cantavam. Depois levantou a
cabeça para o céu e viu -o todo branco, Chegou a minha vez, pensou. O medo
súbito fê -la baixar os olhos. A cidade ainda ali estava. ” (Saramago, p.183)

Embora Meirelles não compartilhe perfeitamente os ideais políticos do autor que ele
adapta, o seu filme, é, em última análise, um belo afresco humanista que retrata um retorno à
própria essência de uma socieda de. O cineasta irá, sem dúvida, combinar a energia cinética e o
jogo naturalista de A Cidade de Deus com a elegância de O Jardineiro Fiel para brincar com
nossas emoções, entre a velocidade do pânico, a emoção na pele e momentos em suspense. Tal
como esta conclusão, tão bela, que se alegra que foi fielmente transposta na tela.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, tentei analisar, da forma mais explícita possível, o processo pelo qual
uma obra literária é adaptada à cinematografia, fazendo uma comparação entre as técnicas
utilizadas na literatura e as técnicas específicas da cinematografia. Interessante é que na grande
maioria dos casos felizes, o filme não assume todas as características do livro, ele vem com
novas inovações, novas formas de representar o assunto do livro. Ainda mais, o diretor tem a
oportunidade de introduzir novos element os que não são encontrados na obra literária: som,
luzes, reflexos e elementos da decoração, cor. Meirelles escolheu fazer um filme contemporâneo,
para que o público possa se relacionar com os personagens. O director também buscou uma
abordagem alegórica d iferente. Meirelles reconheceu o grande desafio de fazer um filme que
simulasse a e xperiência da cegueira para o pú blico, mas ele conseguiu aproximar a percepção
dos personagens ao espectador através da imagem.
O diretor tentou usar um meio visual para tra nsmitir a experiência da ausência de visão,
mostrando como o mundo dos cegos pode parecer, manipulando a luz, a cor e a composição em
detrimento da clareza emocional ou narrativa. Desta forma, conseguiu transmitir ao público a
mensagem de que Saramago teve o cuidado de não perder nas mãos de um diretor inexperiente .
Tanto o romance quanto a adaptação cinematográfica trazem uma visão original dum
mundo cego, para demonstrar a fragilidade da sociedade humana, usando a alegoria, para mostrar
que a decência humana básica é uma ilusão e que também desapareceria em grande parte, se a
sociedade desmoronasse:
“Só num mundo de cegos as coisas serão como verdadeiramente o são.” (José
Saramago).

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Referências bibliográficas
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Bibliografia electrónica
Ana Paula Istschuk, Adaptação
Cinematográfica:UmaEstratégiaDeLeitura.(2014)”,7,periodicos.ufsc.br/index.php/literatura/articl
e/viewFile /2175 -7917.2012v17n2p181/23272.
George Snedeker, Between metaphor and referent: Reading Saramago’s “Blindness”, 2010,
https://politicsandculture.org/2010/08/10/between -metaphor -and-referent -reading -saramagos -2/
Ismail Xavier, Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema.,
Cinemaeliteraturaufsc.files.wordpress.com, 2018.
Michael Kegler, “José Saram ago: A Caverna.” Nova Cultura – José Saramago: a Caverna , ,
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Muner, C. (2008 ). ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA: A VOZ DE UM NARRADOR MUITO ANTIGO .
Revista Fronteiraz ,
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https://www.dicio.com.br/adaptacao/

Corpus
Saramago, J. (1995). Ensaio sobre a cegueira . Editorial Caminho, Lisboa.

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