A Equidade Como Princípio Básico Da Justiça Social Em John Rawls
Declaração
Declaro que esta Monografia Científica é resultado da minha investigação pessoal e com a orientação do meu supervisor, o seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia final.
Declaro ainda que este trabalho não foi apresentado em nenhuma outra instituição para obtenção de qualquer grau académico.
Quelimane, aos, ____de ______________ de 2016
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( Mineses Azido )
Dedicatória
Dedico este trabalho aos meus pais, pelo fortalecimento espiritual e companhia que sempre me deram e confiança.
Agradecimentos
Em primeiro lugar, agradeço aos meus familiares, amigos e colegas pelo encorajamento e por me terem dado oportunidade de partilhar a longa caminhada do curso juntos.
Em segundo lugar, agradeço ao meu supervisor, Dr. Aldo Mussossa e a todos docentes que orientaram o meu curso.
Resumo
A teoria da justiça como equidade foi elaborada por John Rawls em 1971, com a publicação da obra Uma Teoria da Justiça, que definiu um novo marco na história da filosofia política na segunda metade do século XX. Sua teoria da justiça como equidade parte do ponto de vista ético motivacional, com a questão ligada as razões para o compromisso enquanto membro de uma sociedade moral, apregoando a ideia da originalidade de liberdade e igualdade em uma comunidade caracterizada pelo pluralismo razoável de doutrinas abrangentes, com vista a fornecer um guia de orientação filosófica e moral para as sociedades democráticas. Neste trabalho, procurou-se compreender o princípio básico da justiça tendo em conta o pensamento do filósofo americano, John Rawls. O objectivo patente em seu livro Uma teoria da justiça enuncia-se sob a forma de uma concepção de justiça que generaliza e eleva a um grau elevado de abstracção a famosa teoria do contrato social, tal como sustentam Locke, Rousseau e Kant. Assim, o objectivo da Justiça como Equidade, é de carácter prático, ou seja, um acordo político firmado voluntariamente por cidadãos que são concebidos como pessoas livres e iguais. A justiça social já foi motivo de reflexão de outros pensadores tal como por exemplo Platão, Aristóteles na antiguidade, e o tema da desigualdades também foi debatida antes por Rousseau na idade moderna, mas a ideia de Rawls apresenta o cunho particular pelo seu afastamento do plano metafísico, o seu objectivo assentou-se numa realidade pratica da sociedades que no entanto devem reflectir até que ponto pode, mediante o seu contexto pode constituir o bem comum e o bem-estar. O princípio da igualdade é discutido nesta monografia, com o intuito de mostrar a finalidade de qualquer sistema de justiça, que é o equilíbrio da sociedade como um todo. A função da justiça neste aspecto, é de determinar os direitos e deveres básicos dos cidadãos e definir as partes distributivas apropriadas, estabelecendo um elo de ligação necessária com os resultados ou os efeitos que as várias formas institucionais têm para a distribuição de benefícios e encargos na comunidade, apresentando-se como uma teoria de consequência contratual.
Palavras-chave: Justiça, justiça equitativa, desigualdade social, bem comum, igualdade.
INTRODUÇÃO
O trabalho desenvolvido, designa-se sob o tema: A equidade como princípio básico da justiça social em John Rawls.
Este tema se revela pertinente pelo facto de se originar de observações individuais das assimetrias sociais no País e no Mundo e que pressupõem um sacrilégio da dignidade humana pelo aumento da classe desfavorecida. Socialmente, acredita-se que as sociedades têm vindo a travar uma serie de batalhas e guerras devido ao acentuado nível de desigualdades sociais que se verificam, que em última instancia afecta o equilíbrio normal da existência e dignidade humanas. Desta feita, traz-se as ideias de Rawls por acreditar que podem de certa forma, representar uma proposta socialmente possível, tornando-se desta feita, um remédio para as desigualdades sociais.
John Rawls mostra-se um pensador frutifico quando analisado sob ponto de vista da filosofia política contemporânea tanto quanto para as áreas sociais e políticas. A denúncia das desigualdades sociais preenche o vazio que o campo das pesquisas sociais poderia enfrentar num mundo como o que se assiste hoje com a crescente acentuação da pobreza e miséria num pólo e riqueza e luxo noutro.
John Rawls justifica a sua teoria de justiça como resultado de um consenso original e que determina os princípios para a estrutura básica duma determinada sociedade. Ele refere que em uma postura original de igualdade, pessoas livres e racionais sentem a necessidade de promover seus interesses e devem aceitar princípios como critérios e ferramentas básicas de sua associação. Estes princípios têm a tarefa de regular e ordenar todos os acordos (contratos), bem como as formas de governo e os tipos de cooperação social, e é essa maneira de reflectir e interpretar os princípios da justiça que é identificada como justiça como equidade. É precisamente esta imparcialidade, equidade, o que define propriamente a justiça na perspectiva de John Rawls.
Desta maneira, os indivíduos a serem convocados a seguir por uma ideia justiça serão que a partida são consideradas racionais e mutuamente desinteressados e estarão dispostos a seguir os fins, determinando os meios para o seu alcance, e capazes de agir sem perseguir unicamente a satisfação de seus interesses privados, capazes de se comprometerem na criação de um ideal de justiça.
Diante das abordagens da visão de Rawls trazida aqui, parte-se do seguinte problema que vai respondendo no desenvolver deste trabalho: Até que ponto a equidade é o princípio básico para uma sociedade justa em John Rawls?
A questão que se levantou acima, se faz possível responder mediante o uso de métodos adequados. Assim, metodologicamente, a monografia se efectivou recorrendo na consulta bibliográfica, a análise, comparação e o método hermenêutico.
Comparação__ que consistiu na busca de informações bibliográficas semelhantes as abordagens do pensamento de John Rawls com o objectivo de apoiar a sua tese, mas também as posições críticas ao seu pensamento e novas interpretações do seu pensamento.
Análise__ esta técnica será necessária para aferir a pertinência e objectividade dos documentos que ao longo da monografia serão usados, ora, no mundo actual há muitas fontes mas nos cabe esta tarefa de censura de modo a criar um nível de credibilidade desejável.
Já que os textos filosóficos necessitam de uma re-interpretação, assim se fez necessário o uso do método hermenêutico com vista a contextualizar e descodificar alguns mistérios que se encontravam nos vários autores aqui arrolados.
Partiu-se da pertinência passando pela metodologia, problematização com finalidade geral de compreender o princípio fundamental da justiça no pensamento de John Rawls.
De um modo específico, procurou-se através deste trabalho, definir a teoria de justiça segundo John Rawls e identificar as origens e consequências das desigualdades sociais e ao mesmo tempo explicar a equidade como princípio básico da justiça social segundo Rawls.
Estruturalmente a monografia se apresenta sob a seguinte ordem: Capítulo I. Da Biografia a Conceitualização. Onde temos como os subcapítulos os seguintes itens: Vida e Obra de John Rawls, Influencias do pensamento político e por fim O Conceito de Justiça. Capitulo II: Da Injustiça à Justiça Social e o Bem Comum em John Rawls, que apresenta os seguintes subcapítulos: A Origem das desigualdades sociais, desigualdade social como princípio da injustiça social, A distribuição equitativa como princípio da promoção do bem comum e da justiça social. Capitulo III: A Equidade como Princípio Básico da Justiça Social EM John Rawls, no qual encontramos os seguintes itens: A necessidade da desigualdade social enquanto critério de vantagens aos desfavorecidos, A equidade como princípio básico da justiça e A harmonia social como conjugação dos princípios da diferença e da igualdade.
CAPÍTULO I: DA BIOGRAFIA À CONCEITUALIZAÇÃO.
A Ideia fundamental defendida neste capítulo é a descrição dos aspectos biográficos de John Rawls para se faça compreender inicialmente tudo que se vai abordar ao longo de todo trabalho. Assim sendo, a trajectória desenhada sustenta o fio condutor desta parte do trabalho mas também procura dar coerência lógica às outras abordagens do texto.
1.1.Vida e obras de John Rawls.
Rawls é tido como o mais influente filosofo politico da segunda metade do seculo XX, apesar de não se popularizar tanto, talvez devido à debilidade sanitária. A Teoria de Justica (A Theory of justice) é uma obra extraordinária, e antes de 1971, não se conhecia nenhuma outra obra que compara-se a esta. Partindo do início da Guerra Fria, além das obras de GRAMSCI e, Luskasc e precursores da escola de frankfurt, nada igual tinha surgido, antes do lançamento da obra de Rawls.
O seu nascimento (John Bordley Rawls) data de 21 de Fevereiro de 1921 na cidade de Baltimore, estado norte-americano de Maryland, sendo na hierarquia o segundo filho do casal William e Anna. O seu avo paterno Willian Stove, foi um bancário sucedido de Greenville, no estado da Carolina do Norte, contudo, em 1896 sentiu a necessidade de mudar-se, juntamente com a família para Baltimore, por causa da tuberculose de que sofria, queria viver proximo da unidade hospitalar da universidade John Hopkins. O seu pai acabou, contudo, apanhando a doença logo a seguir a mudança, o que lhe condicionou a seguida dos estudos formais, mas não de se tornar em um dos mais renomados dos advogados da cidade de Malbury Tendo se especializado em Direito Constitucional. Este casou-se, na respeitada família Stump, de raízes alemã. O seu avo Alexandr Stunp foi bastantante poderoso na zona de greespring valey, que partilhava os limites fronteiriços com a região baltimor, por causa da producao de petróleo e carvão que erm uma grande fonte de receita na Pensilvania.
Os pais de Rawls contribuíram para que se interessasse por assuntos politicos. O seu pai foi colega de trabalho e ajudou Wodrow Wilsom e a sociedade das nações, como amigo pessoal e fazendo parte conselho de Albert Ritch, que governou o estado Mariland no período compreendido de 1934 a1936 tendo o convidado se candidatar ao senado, recusando o convite por motivos de saúde. A mãe de Rawls desempenhou a função de presidente por muito tempo da então recém-formada, Associação para o sufrágio feminino de Baltimore e chegou a fazer parte da campanha eleitoral de Wendell Wilkie, do partido Republicano, que concorria contra Roosevelt. Rawls era mais chegado à sua mãe, por seu pai estar longe do aconchego da familia e foi para ele que a mãe deixou um legado de austeridade e puritanismo que muito influenciou o rigor minucioso de sua produção teórica.
O interesse de Rawls por questões sociais surge por causa da adesão da mãe nesta associação e aliado a descoberta de que maior parte da população negra de Baltimore vivia em condições extremamente diferentes da população branca. Além disso, Rawls trocou impressões com a populacao pobre embora branca, da zona de Mayne onde a família costumava passar as férias. As origens paternas do sul dos estados unidos da América, aliada a morte de seus irmãos (dois), devido a pneumonia e difteria, ambas contraídas por John Rawls, também foram de vital importância nas suas observações sobre as injustiças e contrastes do mundo. O primeiro, Robert, vulgarmente tratado por Bobby um ano mais novo que Rawls, perdeu a vida 1928. O outro irmão, Thomas Hamilton (Tommy), o seu nascimento remonta a data de 3 setembro de 1927 e morreu no ano de 1929 no mês de fevereiro. Estas situações, de acordo com a mãe, estiveram na base do problema de fala (gaguez) de fundo nervoso, que Rawls teve de enfrentar. No colegio de Calvet School, onde as salas de aulas estavam ordenadas a partir do sexo (rapazes e meninas estudavam separados), ele aprendeu locução e ultrapassou o problema da gaguez, passando mesmo a ser o porta-voz da sua turma. Rawls traduziu literalmente o ditado popular “a vida é injusta” na interpretação das diferenças e injustiças resultantes do desordenamento das instituicoes.
Nos anos de 1933-35, frequenta a Roland Park High School, pois o pai foi eleito para a presidência do conselho escolar. Passa quatro anos, na Kent School, colégio interno de rigorosa orientação religiosa, no estado Coneticut. Este período é sublinhado por Rawls como um tempo de infelicidade e improdutividade.
Rawls tinha em Willian Stowe (Bill), o exemplo de irmão, que tinha quase seis anos de diferença e tinha uma carreira sólida nos desportos, como o futebol americano. Todavia, sempre tenha tentado seguir as pisadas do seu irmão no desporto, Rawls desenvolveu o gosto pela vida e obra de cientistas e pela química. Decorria o ano de 1943, quando estava na universidade de princenton , tinha na altura 18 anos de idade, quando decidiu dedicar-se mais aos desportos, chegando a ocupar a distinção de capitão de equipa de ténis, mas acaba por se frustrar com luta romana, o que faz com que ele se afaste um pouco dos desportos, mas ainda mantendo um interesse por basebol.
Rawls conheceu Margaret Fox enquanto caloira na universidade de Browmn. Com quem mais tarde acabou se casando, e ela empenhou-se ao estudo da arte e historia e , desempenhou uma função activa no trabalho de Rawls, sempre apoiando-o em todos os momentos de sua vida profissional. Como consequência desta união, Mardy ‘(como era carinhosamente tratado por se esposo) e Rawls tiveram quatro filhos: Anne Warfield (1950), que foi docente de estudos sociais na universidade Waine, na cidade de Detroyt, tendo dois descendentes. Robbert Le e o segundo filho (1954), que trabalha como designer de máquinas desportiva na cidade Seatle, com uma filha e um filho. E Alexandre Emory, o terceiro filho (1955), dedicou-se aos estudos economicos e a quarta, Elizabbet Fox (1957), trabalhou como, estilista de moda.
É na universidade de Princeton que conheceu e recebeu a orientação filosófica do professor Malcolm, admirador e seguidor de Wittgenstein que se tornou seu amigo pessoal. Concluiu seus estudos em 1943, quando foi para ao exército e teve que testemunhar in locuo os acontecimentos trágicos da guerra nos exercicios militares do Pacífico. Foi contra as descargas das bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki, manifestando o seu descontentamento na coluna do jornal de cariz politico intitulado Disent e em conferência que mais tarde foi lançada O direito dos povos”.Condescencia, igualdade, justiça, todas estas questões da vida quotidiana (pratica) de uma forma geral, sob a reflexão Rawls passaram a ser abordagens teóricas. No ano de 1946 voltou à Princeton para sua tese de doutorado alusiva a questões de filosofia e moral. No período compreendido entre 1949 a 1950 dedicou-se ao de teorias de ordem politica teorias e chegou a expor o tratado sobre a justiça, obra que lhe valeram duas décadas de pesquisa em relação ao assunto. Em 1987, foi traduzido para a língua francesa e para a língua alemã em 1975, o que lhe valeu reconhecimento internacional.
Obtive o grau de doutorado no ano de 1950, da inicio a sua carreira docente na universidade de princetom, permanecendo na ciadade do mesmo nome e passando a dedicar-se a outras áreas de investigação para alem da filosofia. Nos dois anos que se seguem, Rawls passa também a participar de conferência e colóquios de economia e entra em contacto com John Urnsom da universidade de Oxford que foi como convidado de Princeton. A partir deste, ele acaba passando um ano em uma convenção de oxford. Lá ele pode entrar em contacto com H. L.A. Hart e Isaiah Berlin, por exemplo. É nessa altura que Rawls começa a construir a ideia de justificar princípios morais apoiando-se no processo deliberativo construído para este fim.
Desde l952 dando aulas em Oxford e como bolsista da Fullbright Foudation, começou a divulgar e publicar artigos em revistas especializadas alusivas questões filosófico morais e politicas. Na universidade de cornel no espaço de tempo compreendido entre 1953 e 1959, continuou participando fervorosamente na categoria de docente pesquisador e simultaneamente dando continuidade às publicações em revistas especializadas ligadas a questões filosóficas, com destaque em moral e política. Na mesma altura, Rawls transforma-se em um dos mais celebres investigadores na área filosófica do Instituto de Tecnologia de Massachutes. A partir de 1962 vamos encontrá-lo como docente na Universidade de Harward onde conclui e publica a sua celebre obra: A teoria de justiça em l971. Continuo em Harvard ate 1991 ano da sua reforma
1.2.Influências do pensamento político de John Rawls.
John Locke, Jean Jacques Rousseau, perfilam-se como os pensadores que o influenciaram, evidenciando-se Kant com a sua filosofia prática de sua filosofia prática e a ideia do construtivismo. Rawls insere-se na tradição do contrato social como fundamento de legitimação politica. Através de sua visao deontológica da justiça como equidade busca uma alternativa ao utilitarismo, tanto na versão clássica de Hume e Stuart Mill, como na versão moderna.
O princípio fundamental da filosofia de Hume é o da imanência, interpretado a partir da experiencia, ou seja, empiricamente. A luz deste, principio a única origem de conhecimento é a experiência, cujo objecto não é a coisa externa, mas a representação da mesma. As representações, ou impressões, constituem o dado último do conhecimento humano, o limite contra o qual o homem se choca e no qual deve determinar-se. Só existem as ideias actuais, ou seja, as impressões sensíveis e as suas cópias. A experiência consiste numa série de impressões e de ideias, um fluir de aparências, no qual se resolve a realidade do sujeito que sente e pensa e do objecto sentido e pensado. O empirismo é fenomenalismo. O pensamento só pode conhecer a si mesmo e nada fora de si mesmo.
Nas últimas décadas do século XX, Rawls tornou-se o maior best-seller filosófico em 25 países onde sua obra foi traduzida. Rawls não tinha o habito de participar de grandes conferencias académicas, apenas concedeu uma única entrevista à revista liberal católica Commonweal em 1988, e nos anos 80-90 dirigiu palestras e conferências para círculos estreitos.
Segundo Nythamar de Oliveira (2003), treze dos economistas citados por ele na Teoria da Justiça receberam o Prémio Nobel. Enriqueceu sua filosofia política com as mais respeitadas contribuições das ciências jurídicas, sociais, do comportamento e até da economia.
Com sua obra Uma Teoria da Justiça, Rawls defendeu a concepção procedimental de liberalismo – justiça como equidade. Esta obra, objecto de nossa dissertação é uma teoria da justiça alicerçada sobre os valores de autonomia e equidade, na qual o autor citado universalizou e absorveu a ideia de justiça da teoria contratualista de Locke, Rousseau e Kant, robustecendo e ao mesmo tempo provando a união da igualdade social a individual.
O autor supracitado publicou para alem do livro, Teoria de Justiça, mas duas obras, intituladas de Liberasmo Poltico, lançada no ano de 1993 e O directo dos povos publicado em 1999 . Estes livros representam significam três estagios e fazem tres círculos, que giram em torno do mesmo centro, por outras palavras gravitam a volta do mesmo assunto, isto é, a justiça social. A primeira é uma teoria da justiça fundamentada sobre os princípios de liberdade e igualdade. A segunda versa sobre um problema recorrente: como unir ao liberalismo aqueles espíritos que não são liberais. Um exemplo tradicional é o religioso que não crê no liberalismo como fim, mas auxilia com a sua acção pública para o reforço da democracia. A terceira obra aponta o dedo a relação das democracias ocidentais com as outras culturas. Rawls fala de ‘povos decentes’, que, mesmo não tendo uma cultura liberal-democrática, asseguram, no entanto, um certo respeito dos direitos humanos. Rawls, por fim,lancou também o livro Justiça e Democracia.
John Rawls é considerado o autor de filosofia social e política mais importante nas últimas décadas. Ele despertou um número de obras versando sobre questões da justiça, com muitos elogios a ele, e não só, como também posicionamentos críticos a ele. Por isso até se fala em verdadeiro “fenômeno Rawls”.. Ele despertou a renovação dos debates sobre as questões fundamentais da vida social. Nenhum outro autor contemporâneo suscitou tal quantidade de literatura, na área da filosofia social e política.
Rawls também aponta o dedo própria sociedade americana, defendendo que para o bem-estar e a felicidade não se necessita de grande riqueza material. Desta forma, sociedades mais pobres do que a americana, pode ser mais feliz.
John Rawls é influenciado por Kant e Rousseau, de modo que sua teoria defende que em uma situação inicial, chamada de posição original, há igualdade e liberdade para todos os indivíduos e mediante tais condições é possível chegar-se a um acordo colectivo. Ademais, em sua construção imaginária de contrato, os homens ignoram o que os demais possuem ou desejam, são iguais entre si e racionais. Desse modo, sobre esta posição e esta base as pessoas escolhem os princípios que lhes assegurem as maiores possibilidades vitais, de forma que o sentido moral que tem os homens é a segurança de que os princípios acordados (contrato) serão obrigatórios e respeitados. Esta versão contratual não adianta um projecto de sociedade ou forma específica de governo.
Por outro lado, a justiça como equidade assenta-se em dois princípios fundamentais da justiça, sustentados pela possibilidade de escolha vinda da posição original. Mais do que isso, para que tal escolha possa ser imparcial e isenta, todos os indivíduos devem estar envolvidos e cobertos pelo véu da ignorância, o qual impede o conhecimento de fatos particulares sobre os mesmos (profissão, classe social, situação financeira, etc.); nessa circunstância hipotética, todos seriam vistos como iguais e teriam as mesmas possibilidades, direitos e deveres. Esse é, assim, o argumento racional e lógico que preconizam os princípios da justiça.
O surgimento de conflitos de interesse individuais na sociedade, porém, obsta a manutenção da paz social e, neste contexto, a mediação aparece como mecanismo célere, democrático e satisfatório na resolução de conflitos. Ao mesmo tempo, é importante política pública norteadora da teoria da justiça criada por Rawls, uma vez que sua utilização prevê a manutenção da liberdade dos conflituosos, pautando pela sua igualdade e buscando a minimizar ao máximo a desigualdade social originária da litigiosidade.
Isso ocorre porque o primeiro princípio da justiça assegura as liberdades individuais e o segundo procura minimizar as desigualdades sociais existentes, de forma que a mediação de conflitos atende tais preceitos, na medida em que visa ao restabelecimento da relação social existente entre as partes conflitantes. Deste modo, esta forma consensual de resolução de conflitos sociais, além de significar uma autonomização e responsabilização dos cidadãos pelas decisões tomadas, tem papel muito mais importante, qual seja, auxiliar na concretização, consolidação e a efectivação dos princípios da justiça.
1.3. O Conceito de Justiça
Neste tópico, faz-se uma análise sistemática da estrutura do conceito de justiça social, isto é, a sua articulação interna de sentido, o que será feito mediante uma comparação constante com a justiça equitativa de Rawls.
É necessário, numa primeira fase, considerar o tipo de relação social que a justiça social se propõe a regular. Sendo um conceito moral, o conceito de justiça esta relacionado a realização de um determinado bem. Em primeiro lugar, portanto, deve-se indicar qual é o bem buscado pela justiça social.
A justiça é referente à praxis, à acção humana. Deve-se determinar, por conseguinte, qual é o tipo de actividade em que a justiça social é aplicada.
HANS KELSEN (1881-1973 d.C.) em sua obra O que é justiça? Fala da ânsia na busca pela felicidade. Para isso, procura um metodo ou regras de controlo da conduta humana. Sendo necessário que o homem viva em sociedade, impossível, desta forma, a vivência deste isolado.
Kelsen (2004) considera que a justiça é um atributo possível, mas não essencial para uma ordem social. Entende que o homem somente encontra a felicidade na medida em que pratica e vive a justiça.
Assim, pode-se considerar que a verdadeira justiça emana de um contrato social que obrigatoriamente vem do exercício da liberdade individual. Desta forma, Kelsen (1999:45), refere que “na visao liberal há uma concepção minimalista de Estado, que teria simplesmente a tarefa de permitir o exercício dos direitos naturais de cada cidadão (vida, saúde, liberdade e propriedade). Estabelece-se a predominancia dos direitos individuais sobre o poder do Estado; a plena liberdade do controle substituía o antigo ajuste natural”.
KARL MARX inscreve a justiça numa relação de trabalho e necessidade humana não simplesmente formal ou ideal, mas plena de acordo com as condições do homem, daí seu carácter revolucionário ao identificar a justiça como verdade social.
A filosofia transcendentalista conduzia à construção de um conceito de justiça absoluta, devendo a pena encontrar sua justificação em si mesma, como justa retribuição. Não pode ser visto como o meio para atingir qualquer outro fim, apoiando-se num imperativo categórico. O mal da pena deve corresponder ao mal do delito.
MIGUEL REALE (1910-2006 d.C) buscou a justiça sob o ponto de vista do processo de vivência a partir do tempo. Ela pode ser vista como algo em segundo plano, porque para se usufruir do princípio desta seria necessário que anteriormente fosse posto em consciência a existência de outros valores essenciais, como por exemplo o de liberdade ou solidariedade. Tanto é assim que Reale (2003:125), faz a seguinte afirmativa: “qualifico a justiça como valor franciscano, vendo nela um valor meio, sempre a serviço dos demais valores para assegurar-lhes seu adimplemento, em razão da pessoa humana que é o valor-fim”.
Sendo importante sublinhar um aspecto importante nesta interacção social que é o fato de que todas as pessoas estão convivendo e comungando de uma mesma sociedade. Portanto, cabe aqui frisar algo que é de vital relevância no contexto social: a existência de um contrato social. Pois, este irá ordenar as acções individuais e grupais na medida da consciência colectiva. O contrato social é uma ferramenta reguladora que está intrínseco ao ser humano desde o momento de sua inserção na vida social.
Villey (2005) ao tratar da acepção da palavra justo no pensamento de Aristóteles, destaca que o homem tem a necessidade de viver em sociedade, de forma que seja respeitada a importância de seus interesses. Fala, também, que o mesmo precisa celebrar acordos (contrato) com seus semelhantes no sentido da sociedade estar relativamente em equilíbrio. Vê, pois, a justiça, como a virtude de dar a cada um o que lhe for devido, mas em conformidade com as suas necessidades.
Nader (2006:105), ao falar da colocação de “dar a cada um o que é seu”, faz a seguinte afirmativa: “ Verdadeira e definitiva; válida para todas as espécies e lugares, por ser uma definição apenas de natureza formal, que não define o conteúdo do seu de cada pessoa. […] sofre variação, de acordo com a evolução cultural e sistemas políticos, é o que deve ser atribuído a cada um.”
O próprio Nader diz que o seu a que se faz menção na colocação, anteriormente citada, deve ser entendido como algo próprio de cada um. Em uma relação contratual será justo aquilo que for firmado com o consentimento das partes. Se uma parte faz determinada exigência na assinatura do contrato e a outra ratifica, esta estará submetida a todas as condições constantes no mesmo. Sendo, pois, todas justas.
A Justiça é o valor supremo do Direito e corresponde também à maior virtude do homem. Para que ela não seja apenas uma ideia e um ideal, necessita de certas condições básicas, como a da organização social mediante normas e do respeito a certos princípios fundamentais; em síntese, a justiça pressupõe o valor segurança. Apesar de hierarquicamente superior, a justiça depende da segurança para produzir os seus efeitos na vida social (NADER, 2006:119).
CAPÍTULO II: DA INJUSTIÇA À JUSTIÇA SOCIAL E O BEM COMUM EM JOHN RAWLS.
Diante deste capítulo, procurou-se promover uma discussão sobre o mal das desigualdades sociais. Mas desde logo se tomou também a iniciativa de dar uma perspectiva solutiva. Historicamente parece haver um sentido inverso daquilo que se anuncia acima, neste capitulo, pois os dizeres de Rousseau, pensador cujo sua filosofia influenciou principalmente John Rawls, declara que o mundo dos homens melhor estava no inicio que nos dias actuais. Como se pode ver o propósito de Rawls, a redução das desigualdades deve ser a meta de qualquer sistema político ou social, por isso ele viu nas desigualdades uma semente maldosa para a construção da sociedade.
Não se precisará desta feita trazer um debate forte em torno da literatura do autor em estudo neste capítulo e sobretudo no primeiro subcapítulo, pois acredita-se seu pensamento reconhece o conjunto de problemas aqui se levantaram e a tese tem neste trabalho constitui sua resposta.
2.1. A Origem das desigualdades sociais.
Em seu Livro intitulado: Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Rousseau tenta explicar a origem e a evolução das desigualdades entre os homens.
Rousseau vê o estado de natureza como aquele momento mais próprio a realização da liberdade, à igualdade e até à realização do próprio homem, pois, neste estado, o homem primitivo vivia isolado, solitário e independente. A liberdade natural pode ser vista a partir de duas ópticas: a independência e a capacidade de escolha. A primeira é a liberdade que o homem tem de tudo fazer em um estado anárquico. A segunda se manifesta no carácter metafísico do homem na hora de escolher realizar uma determinada acção ou actividade. A liberdade natural é uma grande dádiva da própria natureza.
No estado de natureza, o homem leva uma vida boa e simples, pois suas paixões resumiam-se as necessidades de comer, de repousar e de fazer sexo. Todas essas necessidades eram facilmente satisfeitas. Precisamente o oposto do homem civil, o homem natural vivia isento de grandes preocupações, por isso tinha uma vida pacífica e feliz. Porém, a capacidade de aperfeiçoar-se permitiu-lhe evoluir.
Segundo Rousseau, a natureza era a moradia mais perfeita do homem primitivo, pois nela ele encontrava todos os meios necessários para a sobrevivência. Entretanto o filósofo não nega a existência de algumas dificuldades e obstaculos na vida natural.
Segundo Cassirer (1999:260) citando o pensamento de Rousseau:
As secas, as enchentes, as brigas com os animais ferozes são exemplos de algumas dessas dificuldades. Elas obrigaram o homem a transcender a sua realidade. Com elas, ele adquiriu o poder de desenvolver a mente e modelar o corpo deixando-o mais forte e resistente diante da sobrevivência natural. Mas logo surgiram dificuldades e impôs-se a aprender a ultrapassa-las; a altura das árvores, que o impedia de alcançar os frutos, a concorrência dos animais que procuravam nutrir-se deles, a ferocidade daqueles que lhe ameaçavam a própria vida, tudo obrigou a entregar-se aos exercícios do corpo; foi preciso tornar-se ágil, rápido na carreira, vigoroso no combate.
As dificuldades encontradas na dinâmica da vida natural exigiram do homem um desenvolvimento do seu corpo e da sua mente, por isso ele sentiu a necessidade e aprendeu a lidar com armas naturais feitas de galhos de árvores e pedras para poder se defender dos animais ferozes. De acordo com o crescimento do género humano fez-se necessário que o homem transforma-se o seu estilo de vida. Ele criou uma nova indústria. As primeiras criações foram instrumentos que serviram de auxílio na caça.
Com o passar do tempo, os seres humanos foram se multiplicando e ao mesmo tempo os homens foram se adaptando às novas condições impostas pela natureza, e assim criou vários meios e mecanismos para se proteger. Com a evolução surgiram outras criações como por exemplo o fogo e a cabana. Segundo Rousseau, as mudanças climáticas também contribuíram para aperfeiçoar e desenvolver o comportamento do homem. Com o frio ele precisou inventar roupas a partir da pele de animais.
De acordo com adaptação do homem às suas criações, desde as mais simples (arco e flecha) até as mais complexas (fogo e cabana) surgiram novas formas de viver. Logo o homem percebeu que era diferente. A partir desse momento, já se verificavam marcas de desigualdades, pois cada condição de progresso era condição de desigualdade.
A nova indústria exigiu perfeição nos inventos, e as novas descobertas vão automaticamente gerando outras, os trabalhos tornaram-se mais modernos, e tudo isso foi modificando cada vez mais o género humano.
Com a evolução, as necessidades vão ficando comuns. O homem já não é mais aquele solitário que anda pela floresta. Sua indústria o fez abrir os olhos para perceber a existência de si mesmo e do seu semelhante. As actividades comuns vão aproximando o homem do homem. Logo surgem os pequenos grupos e com eles a necessidade de conviver em sociedade. Desta forma nasce o homem social. Segundo Starobinski (2001:39), “ o eu do homem social não se reconhece mais em si mesmo, mas se busca no exterior, entre as coisas; seus meios se tornam seu fim.”
O homem já não é mais o mesmo. De isolado, solitário e independente passa a levar uma vida social e dependente. Os primeiros tipos de sociedades são constituídos e com eles assiste-se ao surgimento das primeiras famílias. Para Derathé, “a família, segundo Rousseau, não é um estabelecimento humano instituído através de um pacto, mas é uma sociedade natural.” Por isso é tida como a primeira das sociedades. Esse período que Rousseau considera de sociedade nascente ou idade de ouro era aquele tempo em que o homem ainda vivia de forma parecida com a ingenuidade do estado puro de natureza. Segundo o filósofo essa altura era também a verdadeira “juventude do mundo”. Mas a partir do momento em que o homem deixa fugir essa ingenuidade constrói as desigualdades.
Para Fedosseiev (1973:427-479), “Karl Marx (século XIX) indicava o Capitalismo como a causa originária de todos os males: a divisão de classes como uma das principais causa das desigualdades. A existência de classes sociais conduzia a sociedade a miséria, que era aproveitada pelas classes dominadoras contra os mais fracos”.
Desta forma, a desigualdade na distribuição dos recursos acentuava os desequilíbrios e para chegar a uma sociedade orientada por um regime comunista, na sua essência sem classes e com uma igual distribuição de rendimentos e trabalho, propunha como transição, o socialismo, uma organização económica de expressão igualitária de oportunidades e meios para todos os indivíduos.
De acordo com Cherkaoui, (1995:100), “Marx comunga a mesma ideia que Rousseau, em que a propriedade da origem desigualdade, enquanto Durkheim considera que e a divisão do trabalho que a provoca”.
Por outras palavras, a convivência mais próxima faz com que surjam vários sentimentos próprios da vida em sociedade. Do conforto nasce a preguiça, com a vaidade nasce o orgulho, da inveja surge a ganância e com todos esses males a estima pública passa a ter um preço.
Cada um começou a olhar ao outro e a desejar ser ele próprio olhado, passando automaticamente a estima pública a ter um preço. Aquele que cantava e dançava melhor, o mais belo, o mais forte, o mais astuto ou mais considerado, e foi dado assim o primeiro passo tanto para a desigualdade quanto para o vício; dessas primeiras preferências nasceram, de um lado, a vaidade e desprezo, e, de outro lado, a vergonha e a inveja. A fermentação determinada por esses novos germes produziu, por fim, compostos deploráveis à felicidade e à inocência (CHERKAOUI, 1995:101).
A liberdade natural já não existe mais. Os males sociais vão minando a cada dia o coração do homem. À medida que caminha-se em direcção ao progresso, cresce também o fosso das desigualdades. Quando menos se nota o homem evoluiu consideravelmente, porem essa evolução é negativa. Para Rousseau, todos os progressos conduzem ao estado caduco da especie humana. Melhor seria se o homem tivesse continuado com a inocência e a ingenuidade do estado de natureza vivendo de forma independente. Contudo, desde o instante em que o homem se tornou dependente as desigualdades se exacerbaram. Assim, a igualdade natural esfumou-se totalmente e o homem passou a sofrer com as consequências da sua própria criação.
Desde o momento em que um homem sentiu necessidade de ajuda do outro, desde que se percebeu ser útil a um só contar com provisões para dois, a igualdade transformou-se numa miragem, e implementou-se a propriedade, o trabalho tornou-se necessário e as vastas florestas transformaram-se em campos aprazíveis que se impôs regar com o suor dos homens e nos quis logo se viu escravidão e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas (ROUSSEAU, 1991: 259).
À medida que o tempo passou, o homem foi se aperfeiçoando tanto no modo de viver quanto nas suas actividades do dia-a-dia. A comunicação, através da linguagem, fica mais perfeita, e a convivência entre vizinhos aumenta as relações e, consequentemente, os males.
Segundo o genebrino a descoberta do trigo e do ferro acentuo ainda mais a dependência. Enquanto alguns homens necessitavam do trigo, outros precisavam do ferro, assim, a relação de dependência se perpetuo de forma necessária. Com o crescimento da dependência, solidificaram-se as desigualdades.
É precisamente o nascimento da propriedade privada que o homem corta totalmente o vínculo com o estado de natureza e funda a sociedade civil. Neste contexto, a terra, que antes pertencia a todos, passa a ter um único dono. Os objectos passam a ter um valor (preço). O ser é substituído pelo ter. A normalidade da vida simples dá lugar a ganância e a competitividade da vida civil. A liberdade natural some totalmente. Para Rousseau, tão bom seria se este desastre não tivesse acontecido. As pessoas não deveriam ter acreditado naquele que vedou o primeiro terreno e o intitulou como propriedade.
O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro homem que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia a espécie humana aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: “Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém (ROUSSEAU, 1991:283).
A propriedade privada é igual a desigualdade social. A partir dela, as desigualdades se consolidam e ganham formas. Da sua estrutura surgem três tipos de desigualdades distintas: rico e pobre, poderoso e fraco, senhor e escravo. A relação entre ricos e pobres indica o primeiro progresso de desigualdade; o surgimento dos magistrados, que representa a relação entre poderosos e fracos, é o segundo; o despotismo, que indica a relação entre senhor e escravo, é o terceiro e o mais alto grau de desigualdade.
Com a propriedade privada, da se o inicio das desigualdades entre ricos e pobres. Aqui o homem é escravo de si mesmo e dos objectos. O desejo de ter sempre mais torna os homens mais gananciosos. Uns cultivam melhor do que os outros e por via disso ficam mais ricos. Logo, os ricos exploram os pobres e por sua vez estes se submetem, por necessidade, aos ricos. Assim se desenha o cenário de escravidão.
Logo no primeiro progresso de desigualdade nota-se a consciência corrompida do homem. Pode-se dizer que, neste momento, exacerba-se a exploração propriamente dita do homem pelo homem. Os ricos compram a força do trabalho dos pobres para se tornarem cada vez mais ricos e, por seu turno os pobres saqueiam a riqueza dos ricos em benefício próprio. A ambição consome a humanidade. O sentimento de ter leva o homem a uma luta constante com o seu semelhante. O desejo de lucrar sempre, faz com que vida se transforme em eterna competição. Nesta relação entre ricos e pobres, a igualdade esfuma-se por completo, as pessoas ficam a mercê de uma das outras e são quase obrigadas a se venderem como forma de sobreviveecia.
À medida que o progresso e a riqueza desenvolvem-se no mundo, também traz consigo a ambição, a inveja, o orgulho, a vaidade etc. Estes males sociais têm o poder de transformar a todo momento o coração e o ser das pessoas. Com essa situação, a dinâmica da vida transforma-se em um verdadeiro estado de guerra. Sobre isso ressalta Rousseau no seu segundo Discurso:
Por fim, ambição devoradora, o ardor de elevar sua fortuna relativa, menos por verdadeira necessidade do que para colocar-se acima dos outros, inspira a todos os homens uma negra tendência de prejudicarem-se mutuamente, uma inveja secreta tanto mais perigosa quanto, para dar seu golpe com maior segurança, frequentemente usa a máscara da bondade; em uma palavra, há, de um lado, concorrência e rivalidade, de outro, oposição de interesse e, de ambos, o desejo oculto de alcançar lucro a expensas de outrem (ROUSSEAU, 1991:279).
Quantos males nasceram com a evolução! E quantos males surgiram com o nascimento da propriedade privada! Quanta ambição, ganância, competitividade, inveja e egoísmo! Esta é a realidade do homem no estado civil, onde o amor de si é substituído pelo amor-próprio. Perante tal complexidade no modo de viver, surgem novos anseios. Uma delas é a segurança dos bens materiais, a outra é a legitimação da riqueza e do poder. Para aquela institui-se o direito civil, e para esta fundam-se as leis e os magistrados.
Mas será que isso soluciona o problema de todo quadro de desigualdade? Em conformidade com Rousseau este seria o objectivo da sociedade civil e das leis. Mas o nascimento delas só justificou as desigualdades.
Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis, que deram novos entraves ao fraco e novas forças ao rico, destruíram irremediavelmente a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, fizeram de uma usurpação sagaz, um direito irrevogável e, para lucro de alguns ambiciosos, daí por diante sujeitaram todo género humano ao trabalho, à servidão e à miséria (ROUSSEAU, 1991:270).
Como seria importante se o homem fosse capaz de corrigir o seu estado decadente! Segundo as ideias de Rousseau na segunda parte do Discurso sobre a desigualdade, o Estado, as leis e os magistrados, os governos e os governantes, foram instituidos especialmente para justificar e garantir a riqueza e, consequentemente, proteger os ricos e poderosos. É perceptível, neste sentido, que o Estado surgiu a partindo de um cenário de desigualdade e com o fim de justificar a riqueza e o poder.
Como forma de corrigir a situação de corrupção é criado o Estado, todavia, ao invés de beneficiar e proteger os menos favorecidos, ele serve para proteger os ricos. Com ele, nasce o segundo estágio de desigualdade: a dos poderosos e dos fracos. Logo a seguir aparecem as leis e os magistrados. Nesse aspecto, a sociedade necessita de uma organização através de poderes, isto é, de governos, mas a existência de governos e de leis só fortalece mais ainda os poderosos e, consequentemente, contribui para o aumento do fosso das desigualdades.
Os ricos e poderosos são protegidos pela lei e ficam mais fortes e assim se consolida o segundo progresso de desigualdade.
Depois de um quadro sólido de desigualdades onde o rico explora o pobre, o pobre rouba o rico, o poderoso humilha o fraco, o fraco tenta lutar com o forte, será que ainda o cenário pode piorar? Para Rousseau, a resposta é sim, porque o segundo nível de desigualdade origina ao terceiro que é o mais cruel de todos.
O abuso dos poderosos faz da origem o poder arbitrário. E com ele nasce o despotismo que é o terceiro grau de desigualdade. O despotismo se caracteriza, fundamentalmente, pela mudança do poder legítimo para o poder arbitrário. Aqui se efectiva o modelo de desigualdade entre senhor e escravo. O homem rico, poderoso, e protegido pelo Estado passa a usar o poder de forma abusiva para explorar e humilhar directamente o seu semelhante em benefício próprio. Esse cenário de desigualdades é um verdadeiro estado de guerra.
O despotismo é visto como o grau mais alto da corrupção humana. Aqui impera a dominação. Neste último estágio de desigualdade o homem passa a servir-se do poder para dominar, humilhar, desconsiderar, explorar e até matar o seu semelhante com vista a alcançar o bem pessoal. Esse é o momento de maior manifestação da maldade humana levada a cabo pela evolução e pelo progresso. Sobre o último grau de desigualdade, Rousseau frisa, inclusive, que o homem se reduz a um nada e isso talvez seja a única forma de igualdade neste estado.
É este o último nível de desigualdade, o ponto extremo que encerra o círculo e toca o ponto de que partimos; então, todos os particulares se tornam iguais, porque nada são, e os súbditos, não tendem outra lei além da vontade do senhor, nem o senhor outra regra além de suas paixões, a noção do bem e os princípios de justiça desfalecem novamente; então tudo se governa unicamente pela lei do mais forte e, consequentemente, segundo um novo estado de natureza, diferente daquele pelo qual começamos, por ser este um estado de natureza em sua pureza, e o outro, fruto de um excesso de corrupção (ROUSSEAU, 1991:290).
Há uma ordem lógica no pensamento de Rousseau nesse ponto de efectivação das desigualdades. Com outras palavras, existe uma tríade das desigualdades. O autor mostra, sequencialmente, os três níveis de desigualdades advindas da evolução, do progresso e principalmente do nascimento da propriedade privada. Por um lado, o rico torna-se poderoso e nessa condição torna-se senhor, por outro, o pobre torna-se fraco e como tal torna-se escravo.
Diante desse cenário de desigualdades, o homem cria condições e mecanismos para sobreviver, não sendo mais transparente e verdadeiro como o era no estado de natureza, ele passa a viver na aparência e na mentira. Aqui surge a dicotomia entre o ser e o parecer. Ele não se mostra como realmente é, mas como os outros querem que ele seja e pareça. Tudo não passa de uma grande encenação.
2.2. A desigualdade social como princípio da injustiça social.
As desigualdades são principalmente sociais, não se referem somente a estratificação económica (ligada a repartição do rendimento, consumo, património, entre outros), unindo-se a outras de cariz mais qualitativo: politicas e de prestígio. Por exemplo, em sociedades em que indivíduos com diferentes tons de pele gozam de estatutos diferentes que, por esse ponto, lhes garantem vantagens ou desvantagens ou noutras casos em que o género resulta, igualmente, em desequilíbrio.
As desigualdades “tradicionais” ou estruturais permanentes ou que tendem a agravar-se, acrescem actualmente outras formas: “desigualdade em relação ao trabalho e o salário, ou ainda o endividamento, as incivilidades, as consequências da implosão do modelo familiar, os novos contornos de violência. Como resultado da dinâmica do desemprego ou pelo crescimento das condições de vida”, são sustentadas de forma dolorosa e silenciosa. Um novo cenario desigual. Tem a sua origem na requalificação de diferenças internas em grupos (categorias) considerados anteriormente análogos (FITOUSSI & ROSAVALLON, 1996:45).
As “novas” formas de desigualdade são, antes de tudo, intracategoriais ou intragrupos e podem ganhar relevância e tornarem-se tão persistentes quanto as desigualdades intercategoriais ou intergrupos. No exemplo de um cenário de desemprego de longa duração (com todas as consequências associadas) dentro de uma mesma categoria, pode levar o individuo a protestar o porque da sua sorte ser tão diferente da do seu semelhante (Cf. FITOUSSI & ROSANVALLON, 1996:68).
Conhece uma sensação de exclusão, questionando a sua identidade, pois continua a ter como referencia a categoria a que pertencia antes. O aumento das desigualdades põe em cheque os princípios de igualdade, que intuitivamente se julgam essenciais e necessários a coesão social. Trata-se de disparidades sintomáticas da transformação social e de uma modificação da relação do indivíduo com outrem” (FITOUSSI & ROSANVALLON, 1996:68-70).
Bihr & Pfefferkorn (2008:8), falam “das desigualdades sociais como resultado da distribuição desigual dos recursos entre os indivíduos de uma mesma sociedade, o que cria um sentimento de injustiça na população”.
Tal como se referiu, as desigualdades provocam a injustiça social. Nesta parte do trabalho, enfoca-se antes de mais a análise sobre a justiça versus injustiça como forma de fazer face a consequência das desigualdades sociais. Mas mais adiante, ainda neste trabalho, o próprio Rawls mostra que nem sempre a desigualdade social resulta em injustiça, pois depende muito da forma como os actores sociais ou os membros da mesma sociedade se lida com ela. Assim sendo, o subcapítulo 3.1. defende um dos princípios da Teoria de Justiça de Rawls, o da diferença.
A justiça pertence a um corpus de questões recorrentes aos debates e reflexões dos indivíduos que data desde o próprio princípio da formação do pensamento humano. São irrefutáveis as evidências que formam os quadros de reflexão sobre o que é justo ou injusto em determinadas culturas, sociedades, classes sociais e povos. Este é um tema que está presente nas conversas e reflexões quotidianas das pessoas e, em alguns casos, os debates referentes a justiça ou sobre os tipos de tratamento justo a determinadas pessoas ou situações se destacam de forma mais acentuada, como é o caso, por exemplo, das recorrentes situações de violência, dos crimes bárbaros, dos escândalos políticos. A partir deste cenário, destaca-se a revolta da população ante a impunidade e a falta de controlo por parte das instituições sociais em relação a violência, ao medo e a corrupção. No entanto, o que temos testemunhado diariamente faz-nos (re) pensar sobre a eficácia destas instituições, dos valores que marcam as vivências sociais e as normas que regem o viver diário.
Diante deste cenário, a justiça e o estudo da justiça merecem um aprofundamento minucioso na medida em que estão, intrinsecamente, ligadas à grande maioria das questões que rodeiam o construir humano e as interacções sociais.
De acordo com Rodrigues, Assmar & Jablonski (1999), ainda que de formas diferentes, as respostas e os conceitos que se criam acerca da justiça se baseiam na necessidade de um tratamento justo no que diz respeito aos diferentes espaços da vida social.
O estudo da justiça, enquanto um fenómeno psicossocial, complexo e multifacetado, da significado a uma série de manifestações grupais ou individuais, que marcam a vida dos homens em sociedade. Pode-se mesmo dizer que tanto os movimentos reivindicatórios organizados e os actos contestatários de natureza puramente individual quanto os conflitos sociais e os actos de violência grupal e pessoal podem ser explicados, em certa medida, por um elemento comum: a percepção de injustiça subjacente a todas essas instâncias (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 1999:291).
Perante isso, duas principais abordagens teóricas enfocam a justiça: a unidimensional e a multidimensional.
As teorias sobre a justiça que se defendem na abordagem unidimensional adoptam como princípio básico, único, a equidade; isto é, a justiça é vista como proporcional, de modo que cada um deve receber algo de acordo com seu merecimento, sua colaboração ou sua contribuição em relação aos outros.
De forma geral as críticas em relação à teoria da equidade foram relacionadas por Mikula (1980 apud Rodrigues; Assmar; Jablonski, 1999), através de duas linhas: uma delas deu ênfase a extensão e o valor super estimados da justiça nas relações sociais; e a outra linha tratou de abordar o carácter exclusivo com que a norma da equidade era tratada nas situações em que a justiça poderia ser prevalecente.
De outro lado, as teorias sobre justiça que se sustentam numa abordagem multidimensional, abrangem um conjunto de variadas formas simultâneas de se fazer justiça em uma determinada situação, onde cada uma destas formas pode ser justa de acordo com a situação em causa. Esta ideia de justiça foi consequência de um movimento surgido entre os psicólogos sociais em reacção à ideia de que a equidade seria o único princípio válido para a análise e solução dos problemas que envolviam a justiça.
Mikula (1985 apud Rodrigues; Assmar; Jablonski, 1999), comungando este tipo de interpretação teórica da justiça, partindo dos conteúdos relatados pelos participantes de suas pesquisas sobre situações de injustiças vivenciadas, propôs um sistema de classificação dos vários tipos de injustiças, olhando as relações entre cognição, emoções e acções evidenciadas pelos sujeitos. Os resultados mostraram que as pessoas utilizaram o termo injustiça de forma mais livre e mais ampla do que os psicólogos sociais fazem, apesar de terem comparecido eventos que estiveram coerentes com a descrição científica. As formas de injustiça mais relatadas foram as de acusação sem justificativa, ou atribuir responsabilidades não devidas; depois apareceram a avaliação injusta ou o não reconhecimento de esforços empreendidos, e, a quebra e violação de promessas. Entendeu-se, também, que poucos indivíduos conseguiram restaurar a justiça e continuaram a sentir a injustiça por algum período depois do ocorrido; isto demonstrou que apesar de não negar a ocorrência da injustiça, os sujeitos puseram de lado a possibilidade de intervir directamente no sentido de acção contra a injustiça vivida.
As principais emoções ligadas às injustiças que os sujeitos apresentaram foram: raiva, ódio, indignação, e secundariamente surpresa, desamparo e tristeza.
2.3. A distribuição equitativa como princípio da promoção do bem comum e da justiça social.
Enquanto a justiça particular tem como a sua base o bem do particular, em uma troca ou distribuição, a justiça social tem por objecto o bem comum.
Como foi visto, isto não quer dizer que a justiça particular possa ser pensada ou vista à margem do bem comum. Ao contrário, algo só é devido a um particular em vistas do bem comum, seja em uma distribuição, seja em uma troca. A justiça particular visa directamente o bem do particular e, implicitamente (indirectamente), o bem comum.
Na justiça social, ao contrário, visa-se directamente o bem comum e, indirectamente, o bem deste ou daquele indivíduo particular. O ser humano é considerado "em comum". Em uma sociedade de pessoas iguais, isto quer dizer que o outro é considerado, simplesmente por sua condição de pessoa humana, membro da comunidade. Assim, o que lhe é devido, é devido a todos, e o proveito e benefício de um recai sobre todos.
O direito penal, nesta perspectiva, é uma manifestação da justiça social: protege-se a pessoa humana como tal, e não este ou aquele membro particular. Por isso, uma ofensa a um membro é uma ofensa a toda comunidade social, e a sua repreensão e punição não depende da iniciativa do indivíduo singular, mas é assumida por um órgão da comunidade. A existência da pena deve-se à justiça social, enquanto a quantificação da pena fica a cargo da justiça comutativa.
A justiça distributiva é a justiça que se exerce nas distribuições de honras, dinheiro e de tudo aquilo que pode ser repartido entre os membros da comunidade. Na distribuição, considera-se portanto, uma qualidade pessoal do destinatário do bem ou encargo, apreciável segundo o regime criado pela comunidade. Assim, na oligarquia, o critério de distribuição adoptado é a riqueza; na democracia, é a condição de homem livre; ao passo que na aristocracia, a virtude. A justiça distributiva orienta-se por uma igualdade proporcional, isto é, a relação existente entre as pessoas é a mesma que deve verificar-se entre as coisas; em uma oligarquia, por exemplo, a participação nos benefícios da comunidade vai dar-se proporcionalmente à riqueza de cada cidadão.
De outro lado, temos a justiça correctiva. É aquela que desempenha um papel correctivo nas relações entre os indivíduos. Ela tem como objectivo o restabelecimento do equilíbrio nas relações privadas, voluntárias e involuntárias. A igualdade procurada é a igualdade absoluta, expressa na equivalência entre o dano e a indemnização. Rawls reformula o segundo princípio como o princípio liberal da igualdade equitativa de oportunidades, que não é a noção de carreiras abertas a talentos, tendo consequências claramente diferentes da interpretação liberal dos dois princípios tomados em conjunto.
Para Rawls (1971:90):
A estrutura básica é o objecto primário da justiça. Na justiça como equidade, a sociedade é vista como um empreendimento cooperativo para a vantagem de todos. A estrutura básica é um sistema público de regras que definem um esquema de actividades que conduz os homens a agirem juntos com objectivo de produzir uma quantidade maior de benefícios e atribuindo a cada um, certos direitos reconhecidos a uma parte dos produtos.
Tudo que se faz esta dependente das regras públicas diante do que se tem direito de fazer. E os direitos de cada um dependem do que se faz. Segundo Rawls, honrando os direitos determinados pelo que se comprometeu a fazer de forma legítima é que se consegue alcançar a distribuição que resulta desses princípios.
Rawls olha as partes distributivas de forma procedimental. Qualquer que seja o sistema social ou comunitário o resultado deverá ser sempre justo, dentro de determinados limites. Ele entende a noção de justiça procedimental de duas maneiras: perfeita e imperfeita. Na justiça procedimental imperfeita, mostrada a título de exemplo pelo processo criminal, o procedimento está organizado para estabelecer a verdade: o réu deve ser condenado simplesmente se cometeu um crime. É necessário analisar os procedimentos e critérios de provas, entre outros elementos para se alcançar o propósito de forma coerente. O exemplo indicado por Rawls é o julgamento. Mesmo seguindo a lei e os processos correndo justa e adequadamente, ainda assim corre-se risco de o resultado pode ser errado. Um homem culpado e ate mesmo inocente pode ser considerado inocente e vice-versa. Erros judiciários que surgem como resultado de uma combinação fortuita de circunstâncias frustram a finalidade das normas legais. Ou seja, mesmo havendo um critério ou procedimento independente para levar a um resultado correcto, não há processo factível que com certeza chegue a ele.
A justiça procedimental perfeita, conforme Rawls ,“se verifica quando não há procedimento e critério independente para o resultado correcto: em vez disso existe um procedimento correcto ou justo de modo que o resultado será também correcto ou justo, qualquer que seja ele, contanto que o procedimento tenha sido correctamente aplicado” (RAWLS, 1971:92).
O exemplo que o autor nos traz é o jogo. Apostas justas conduziram a uma distribuição justa. Ele entende como apostas justas, aquelas com nenhuma expectativa de ganho, feitas de forma voluntária e sem burlas. Basta que o processo para determinação do resultado justo seja levado até o final, não havendo procedimentos independentes os quais possam demonstrar que um resultado definitivo é justo. Mas o que faz com que resultado das apostas seja justo ou injusto é que ele tenha sido ocasionado por uma série de apostas justas. O procedimento é equitativo, quando observado efectivamente até o final.
Para a efectivação da justiça distributiva, embora em uma dimensão restrita, é preciso satisfazer o princípio da igualdade equitativa de oportunidade. Sua função “ é garrantir que o sistema de cooperação seja um sistema de justiça procedimental pura” (IBID).
No caso acima, tem-se que julgar a organização da estrutura básica de uma perspectiva geral, deixando de lado a variedade de circunstâncias e posições mutáveis de pessoas particulares.
Na justiça procedimental pura, então, as distribuições de vantagens não são examinadas em primeiro lugar partindo do confronto entre uma quantia disponível de benefícios, por um lado, e anseios e necessidades dados de indivíduos determinados, por outro. A alocação dos itens produzidos ocorre comforme o sistema público de normas, e esse sistema determina o que é produzido, quando e por que meios. Também estabelece reivindicações legítimas que, quando respeitadas, criam a distribuição resultante (RAWLS,1971:94).
Nesse tipo de justiça procedimental, é no esquema de cooperação, onde ela nasce e se satisfaz, que se funda a correcção da distribuição.
O objectivo do Estado é criar esquemas sociais que melhor se aproximem de um alvo já determinado, por causa dos desejos e as preferências concretas e os desenvolvimentos futuros permitidos por eles. Nesse caso a estrutura básica pode ser vista como uma justiça procedimental imperfeita.
Rawls deixa claro que a sabedoria social consiste em criar instituições que impeçam o surgimento frequente de dificuldades incontroláveis e aceita a necessidade de princípios claros e simples.
CAPÍTULO III: A EQUIDADE COMO PRINCÍPIO BÁSICO DA JUSTIÇA SOCIAL EM JOHN RAWLS.
Toda tentativa da Teoria de Justiça de Rawls encontra base de sustento na procura dum equilíbrio social. Rawls defende que deve haver equidade na distribuição dos bens primários produzidos de modo comum. Assim sendo, a equidade surge no pensamento político e jurídico como princípio básico da organização social.
Neste capítulo, procura-se demonstrar através dos subcapítulos e argumentos que a equidade é princípio que deve orientar e regular a organização social na perspectiva de John Rawls. O objectivo do princípio da equidade é de diminuir ao maximo as assimetrias sociais e desigualdades sociais que na sua opinião fomentam a injustiça social.
3.1. A necessidade da desigualdade social enquanto critério de vantagens aos desfavorecidos.
Neste tópico o objectivo é apreciar o Princípio da Diferença, baseando-se na concepção do autor e complementando o presente estudo com a explanação de outros autores. Nesse escopo, o autor expôs dois princípios da justiça que julga serem escolhidos na posição original, para Rawls esses dois princípios são: o primeiro, “cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras. Segundo: as desigualdades sociais e económicas devem ser ordenadas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos” (RAWLS, 2002: 64).
Pode-se identificar que a efectivação e observancia desses dois princípios de justiça pela construção básica do corpo social indica o fundamento do auto respeito, que, como defende Rawls é o bem primário mais importante.
Nessa vertente, Fleischacker (2006:16) assevera o seguinte sobre os princípios:
Os dois princípios de Rawls, em contraste, juntamente com a argumentação a seu favor, da uma explicação compreensiva de (1) quais bens devem ser distribuídos, (2) que necessidades esses bens satisfazem, (3) por que se devem favorecer as necessidades sobre a contribuição, e (4) como se deve equilibrar, a distribuição com a liberdade (de tal modo que a “distribuição” de liberdade tenha prioridade sobre toda distribuição de bens económicos e sociais).
Nesse sentido, as desigualdades podem ser aceites, desde que sejam fidedignas e proporcionem melhores condições ao colectivo. No entanto, estas desigualdades, devem sinalizar o bem-estar de todos, e não apenas da maioria, sem ultrapassar os direitos à igualdade das liberdades e das oportunidades. Diante do exposto, insta avaliar-se que o objectivo de uma sociedade justa é diminuir as desigualdades sociais entre seus indivíduos, e para que isto ocorra utiliza-se o Princípio da Diferença
Segundo Rawls (2008:101), “o princípio de diferença é um critério muito especial: aplica-se primariamente à estrutura básica da sociedade por meio de indivíduos representativos cujas expectativas devem ser estimadas por meio de uma lista de bens primários”.
Neste mesmo ponto de vista, Vita, ponderando sobre o Princípio da Diferença, explica a razoabilidade dos mais afortunados, senão veja-se o trecho a seguir:
Abrao mão de parte dos benefícios que obteriam explorando as contingências naturais e sociais que os favorecem, porque fazendo isso mostram, nos arranjos básicos da sociedade, o respeito que têm pelos que se encontram na parte inferior. E somente quando os arranjos institucionais básicos dão um suporte efectivo para o auto-respeito daqueles que têm mais a perder com esses arranjos, podem os mais privilegiados esperar a cooperação voluntária dos mais destituídos. Portanto, chega-se a conclusão que o princípio da diferença oferece a única interpretação possível para um igualitarismo não invejoso (VITA, 2000: 257).
Nessa linha de Vita, encontra-se em consonância com o pensamento de Rawls que assevera em linhas que as desigualdades sociais e económicas devem ser dispostas para que se estabeleçam para o máximo benefício possível dos menos favorecidos que seja compatível com as restrições do princípio de poupança justa. Julga-se que com base nessa formulação de Rawls que assegura os bens sociais mínimos e o consenso aplicado, garante a selecção de critérios para que os conflitos sociais sejam eliminados.
Apresentado, ainda que de forma breve, o Princípio da Diferença, Canotilho (2001:21) finaliza esse item apresentando o seguinte:
Uma constituição deve determinar os fundamentos adequados a uma teoria da justiça, definindo as estruturas básicas da sociedade sem se comprometer com situações particulares. Contudo, e tendo sobretudo em conta o incumprimento do projecto emancipatório sob a forma de constitucionalização dos excluídos, mas uma teoria da justiça construída sobre a indiferença das condições particulares. Exprimem, sim, a indispensabilidade de refracções morais no âmbito do contrato social constitucional.
Com efeito, o ordenamento jurídico deve promover e ajudar na inclusão dos menos afortunados, propiciando, desta forma, a igualdade de circunstâncias a todos, a fim de viverem numa sociedade democrática e justa
Nesse compasso Rawls (2002:107) defende que “O princípio da diferença determina que a fim de tratar as pessoas igualitariamente, de proporcionar uma genuína igualdade de oportunidades, a sociedade deve dar mais atenção àqueles com menos dotes inatos e aos oriundos de posições sociais menos favoráveis”. A ideia é de reparar o desvio das contingências na direcção da igualdade.
Desta feita, a igualdade deve ser utilizada com vista a melhorar as circunstâncias dos menos afortunados, mediante o acordo de liberdade. Observamos que as desigualdades sociais naturais devem ser refletidas sob o ponto de vista da igualdade de oportunidades, sob pena de tornarem-se arbitrárias.
Assim Rawls (2002:108) aduziu o seguinte:
Ninguém merece a maior capacidade natural que tem, nem um ponto de partida mais favorável na sociedade. Mas, é claro, isso não é motivo para ignorar essas distinções, muito menos para eliminá-las. Em vez disso, a estrutura básica (da sociedade) pode ser ordenada de modo que as contingências trabalhem para o bem dos menos favorecidos. Assim somos levados ao princípio da diferença se desejamos montar o sistema social de modo que ninguém ganhe ou perca devido ao seu lugar arbitrário na distribuição de dotes naturais ou à sua posição inicial na sociedade sem dar ou receber benefícios compensatórios em troca.
Portanto, Rawls dispõe o que estabelece como igualdade democrática, conquistada através da junção da igualdade de oportunidade com o princípio da diferença, matéria que analisa no subcapítulo 3.3. deste trabalho.
Em suma, o Princípio da Diferença é o princípio norteador para o estabelecimento de critérios a fim de que os desiguais sejam tratados de forma diferente, garantindo assim a inclusão de um número maior de indivíduos na tutela das políticas públicas.
Segundo Rawls, a distribuição de renda e riqueza é o efeito cumulativo de distribuições feitas anteriormente de activos naturais. A mais óbvia injustiça do sistema de liberdade natural é aceitar que esta distribuição seja influenciada pelos mencionados factores, vistos por Rawls, como uma forma arbitrária, do ponto de vista ético. Ele corrige isto, acrescentando à exigência de carreiras abertas a talentos, a condição adicional de uma equitativa igualdade
3.2. A equidade como princípio básico da justiça.
Segundo Rawls, a correcção das injustiças sociais só poderia resultar mediante uma política que visasse à equidade, que significa, no senso corrente, justiça, imparcialidade e isenção. Equidade, no sentido rawlsiano, significa a correcção das desigualdades pela igualdade de oportunidades. A equidade representa uma alternativa ao utilitarismo, na medida em que ela é inspirada num princípio ético fundamental, segundo o qual o outro jamais pode ser utilizado como mero objecto para atingir nossos próprios objectivos. A questão fundamental colocada por Rawls é:
Considerando-se a sociedade como um sistema equitativo de cooperação entre pessoas livres e iguais, que princípios de justiça são mais apropriados para estabelecer direitos e liberdades básicas, e para regular as desigualdades sociais e económicas das perspectivas de vida dos cidadãos? Essas desigualdades são nossa primeira preocupação (RAWLS, 1971: 58).
Diante da problemática colocada e, consequentemente, referendando o conjunto de princípios, aceites consensualmente, Rawls se concentra nas desigualdades da estrutura básica, entendida como “o sistema social global que determina a justiça do contexto social” (RAWLS, 1978:21).
Daí porque sua teoria da justiça é política. Rawls trata sempre do social, das desigualdades, das diferenças e dos poderes oriundos das relações entre os homens. Sua concepção é política, e não metafísica, que vê a justiça como organização da cooperação social, que visa à equidade.
O autor tenta explicar as convicções do senso comum a respeito da prioridade da justiça, mostrando que elas são resultado de princípios que seriam eleitos na “posição original” (original position).
A justiça como equidade é uma teoria deontológica, visto que não interpreta o justo como maximizador do bem. Ora, se presumir que as pessoas na posição original escolheriam um princípio de liberdade igual e limitariam as desigualdades económicas e sociais àquelas do interesse de todos, não há razão para pensar que instituições sociais maximizarão o bem comum.
Portanto, a marca central da concepção da justiça como equidade é a prioridade do justo em relação ao bem.
Um sistema social justo define o objectivo no âmbito do qual os indivíduos devem desenvolver seus objectivos e fornece uma estrutura de direitos e oportunidades e meios de satisfação a partir dos quais esses fins podem ser equitativamente perseguidos. A prioridade da justiça se explica, em parte, pela aceitação da ideia de que os interesses que exigem a violação da justiça não tem nenhum valor. Não tendo absolutamente nenhum mérito, eles não podem anular as reivindicações da justiça (RAWLS, 1971:34).
Ora, sob o ponto de vista de Rawls as reivindicações da justiça são superiores à sua violação. Sua preocupação é com a justiça enquanto valor, não com a legitimidade do poder. A justiça transforma-se numa obrigação política ao sistema cooperativo justo, que é a sociedade.
Segundo Rawls:
A ideia organizadora fundamental da justiça como equidade, dentro da qual outras ideias básicas estão ligadas sistematicamente, é a da sociedade como um sistema equitativo de cooperação ao longo do tempo, de uma geração para outra. Os termos equitativos da cooperação, especificam uma ideia de reciprocidade: todos que estão engajados na cooperação e que fazem parte, como as regras e procedimentos exigem, devem se beneficiar delas num modo apropriado, de acordo com um padrão adequado de comparação. Uma concepção de justiça política caracteriza os termos equitativos de cooperação (RAWLS, 1993:16).
Delineei minha pesquisa na perspectiva de que as políticas públicas precisam ser revistas, a partir de um patamar multidisciplinar, alicerçado na filosofia, na sociologia, na economia e, sobretudo, na ciência política. O pensamento rawlsiano, que procurou elementos em todas essas áreas de saber, na sua formulação, pauta pela defesa e a promoção da pessoa e da vida em sociedade.
Além disso, a constatação do pluralismo nas sociedades modernas mostra que a acção do Estado ocorre em meio a variados interesses e conflitos. Dessa forma, poderemos compreender as relações inseguras entre o poder público e a sociedade organizada. A ideia rawlsiana da justiça é uma teoria normativa que se baseia no contratualismo moderno, com destaque nas noções de justiça e não nas de legitimidade.
Como a legitimidade da democracia não lima as decisões injustas, a justiça assume valor preponderante. E é nela que as políticas públicas devem se norteiar com vista a alcançar uma recuperação da sociedade no que se refere às desigualdades legitimadas pela própria estrutura do Estado. Para demonstrar que a é igualdade moralmente justificável e que a desigualdade é injustificável, uma teoria da justiça, no plano normativo, precisa lidar com as várias dimensões da igualdade/desigualdade nas relações entre pessoas e grupos sociais como por exemplo: distribuição de recursos materiais, determinação dos crimes e das penas, acesso à educação e à saúde, participação política, etc.
Rawls se preocupou em edificar uma teoria da justiça e não uma teoria que torna-se governo legítimo, portanto a relevância de sua teoria assenta neste ponto e essa é a grande novidade do pensamento rawlsiano, no qual todos os novos liberais irão se inspirar para repensar e apresentar teorias alternativas de justiça sem colocar na mesa de reflexão a questão da soberania.
A comunidade política rawlsiana é tida como um sistema cooperativo que sugere a possibilidade de sucesso para qualquer um, partindo do anseio da repartição equitativa dos frutos, diferentemente da concepção usual de uma nação como comunidade ligada por laços históricos, afectivos, linguísticos, de nascimento ou de lutas políticas comuns.
Então, o critério de participação na comunidade rawlsiana é este elemento de cooperação já citado e podemos pensar um governo que administra imparcialmente princípios de justiça distributiva. Ao usar o termo “sociedade fechada”, provavelmente, Rawls está se dirigindo a todos aqueles que não cooperam.
Quando a justiça passa a ser o anseio mais importante, se torna possível edificar uma sociedade orientada por regras justas de cooperação e com um governo que as conserva.
3.3. A harmonia social como conjugação dos princípios da diferença e da igualdade.
A teoria da justiça de Rawls procura conciliar duas directrizes filosóficas que historicamente marcaram duas regiões diferentes do mundo: a tolerância e a liberdade individual. Estas duas directrizes estão presentes nos dois princípios da teoria da justiça de Rawls: a união entre liberdades individuais e igualdade social.
Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente possível sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras. Segundo: as desigualdades sociais e económicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo(a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos (RAWLS, 1971:64).
Tais princípios que se destinam à estrutura básica da sociedade, estabelecem a atribuição de direitos e deveres e regulam as vantagens económicas e sociais. Para tal propósito da teoria da justiça, a estrutura social se divide em aspectos do sistema social que definem e garantem liberdades básicas iguais; aspectos que determinam e estabelecem as desigualdades económicas e sociais das duas partes.
No caso do primeiro princípio se aplicaria a primeira e o segundo à segunda. Identificam-se assim, caracteristicas do sistema social que definem e asseguram liberdades básicas iguais, e aspectos que especificam e estabelecem as desigualdades económicas e sociais.
De acordo com o primeiro princípio, as liberdades iguais são as seguintes: a liberdade política, liberdade de expressão e reunião, liberdade de consciência e de julgamento, pessoais.
Nesta primeira formulação o segundo princípio se relaciona com à distribuição de renda e riqueza e ao escopo das organizações que fazem uso de diferenças de autoridade e de responsabilidade. Tal distribuição de riquezas deve ser vantajosa para todos se excessao, como também as posições de autoridade e responsabilidade devem ser acessíveis a todos.
Num primeiro momento, aplica-se o segundo princípio mantendo-se as posições abertas e posteriormente organiza-se as desigualdades económicas e sociais gerando benefícios e ganhos para todos.
Na Teoria de Justiça de Rawls, o primeiro princípio deve anteceder o segundo, assegurando que as protecções das violações das liberdades básicas, não sejam justificadas nem compensadas por vantagens económicas e sociais.
No segundo princípio, a distribuição de renda e riqueza e de posições de autoridade e responsabilidade, devem ser consistentes tanto com as liberdades básicas, quanto com a igualdade de oportunidades.
Na verdade, os dois princípios enunciados por Rawls são o caso especial de uma ideia geral de justiça, que ele assim enuncia Todos os valores sociais – liberdades e oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais da auto-estima – devem ser distribuídos igualitariamente a não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos esses valores traga vantagens para todos” (RAWLS, 1972: 66).
Isto quer dizer que ele entende como injustiças apenas aquelas desigualdades que não beneficiam a todos. Mas, nem todas as desigualdades podem ser consideradas ou pensadas como injustiças.
Suponhamos que em uma posição inicial onde todos os bens primários sociais como, direitos, liberdades e oportunidades, renda e riqueza, são distribuídos de igual. A saúde, o vigor, a inteligência e a imaginação, são bens naturais, pese embora sofram influência da estrutura básica não está sob seu controlo.
Rawls supõe uma situação inicial onde todos os bens primários sociais – direitos, liberdades, oportunidades, renda e riqueza – sejam distribuídos igualitariamente, favorecendo direitos e deveres semelhantes, bem como a partilha imparcial da renda e da riqueza.
Logo, se “certas desigualdades de riqueza e diferenças de autoridade colocam todos em melhores situacoes do que nessa posição inicial hipotética, então elas estão de acordo com a concepção geral” (RAWLS, 1971:67).
De acordo com sua ideia geral de justiça, não importa os tipos de desigualdades, se a posição de todos é melhorada. Como os dois princípios são organizados em serie não pode haver mudança entre liberdades básicas e ganhos sociais e económicos, ou seja, não dá para abdicar os direitos políticos por ganhos económicos significativos. Esta questão das prioridades permite observar todo o tempo as condições circunstancias sob as quais seria razoável admitir o peso absoluto da liberdade em relação às vantagens sociais e económicas.
Tal como está estabelecido nos dos dois princípios, Rawls procura defender que as pessoas não aceitarão uma liberdade menor em troca de maiores vantagens económicas, e explicita os fundamentos para a prioridade da liberdade: “A posição original é especificada de modo a incorporar a reciprocidade e a igualdade adequada entre as pessoas assim concebidas; e como seus objectivos e interesses fundamentais são protegidos pelas liberdades garantidas pelo primeiro princípio, elas atribuem prioridade a esse princípio” (RAWLS, 1972:68).
Os dois princípios se destinam às instituições. Os direitos e as liberdades a que se referem estes princípios são aqueles estabelecidos pelas regras públicas da estrutura básica.
São os direitos e deveres estabelecidos pelas mais importantes instituições da sociedade que dindicam se os homens são livres ou não. A liberdade é um certo padrão de formas sociais. O primeiro princípio simplesmente exige que certos tipos de regras, aquelas que definem as liberdades básicas, se apliquem igualmente a todos, e permitam a mais abrangente liberdade compatível com uma igual liberdade para todos (RAWLS, 1972:69).
As liberdades básicas, portanto são muito abrangentes e só o deixam de ser se colidirem umas nas outras. Quando Rawls diz que todos se beneficiam com as desigualdades, está se referindo a pessoas representativas. Ele parte do princípio que seja possível atribuir uma expectativa de bem-estar a indivíduos representativos, que ocupam as várias posições sociais ou cargos instituídos pela estrutura básica. O segundo princípio é referente às expectativas de indivíduos representativos. Portanto, nenhum dos dois princípios se destina a distribuição de bens a indivíduos particulares, mas se propõem a regular os sistemas institucionais básicos.
Rawls considera a existência quatro formas de interpretar os princípios de justiça: a de liberdade natural, igualdade liberal, aristocracia natural e igualdade democrática. Em todas estas interpretações, ele parte da ideia segundo a qual o primeiro, que é referente liberdade igual, é ultrapassado e que a área económica um sistema de mercado livre, sendo os meios de produção, a propriedade privada ou não. Considerando que a liberdade igual mantem sempre o seu sentido, Rawls analisa as seguintes interpretações do segundo princípio: o sistema de liberdade natural, a igualdade liberal e a igualdade democrática.
Quanto ao sistema de liberdade natural, Rawls (1972:72) crê que “a estrutura básica observa princípio da eficiência, e onde as posições estão abertas àqueles capazes de lutar por elas e dispostos a isto, levará a uma atribuicao justa”.
Para este pensador, distribuir direitos e deveres desta forma resulta num esquema que distribui renda e riqueza, autoridade e responsabilidade de modo igual, seja qual for a forma de distribuição. Aqui cabe a explicação do princípio da eficiência. Este princípio afirma que “uma configuração é eficiente sempre que é impossível mudá-la de modo a fazer com que algumas pessoas melhorem a sua situação sem que, ao mesmo tempo, outras pessoas piorem a sua” (Ibid).
Uma distribuição de bens ou um esquema de produção é ineficaz quando há modos e formas de fazer algo ainda melhor para alguns indivíduos, sem fazer nada pior para os outros. Para Rawls, importa que seja realizado o julgamento da eficiência das organizações e instituições sociais e económicas quando a posição original aceita tal princípio. O princípio da eficiência pode ser destinado à estrutura básica, em referência às expectativas dos homens representativos.
Assim, uma organização na estrutura básica é eficiente se, e somente se, é impossível alterar as regras, redefinir o esquema de direitos e deveres, de forma a aumentar as expectativas de qualquer dos homens representativos sem, ao mesmo tempo, reduzir as expectativas de um outro homem representativo. Porém, ao alterarmos a estrutura básica não nos é permitido violar o princípio de liberdade igual ou a exigência de posições abertas. Perante essas reflexões conclui Rawls que, o princípio da eficiência por si só não pode servir como uma concepção de justiça. No sistema de liberdade natural, o princípio da eficiência é limitado por certas instituições básicas; quando estas restrições são observadas e respeitadas, qualquer distribuição eficiente resultante é aceita como justa.
Ora, com base na teoria económica, que nas condições estabelecidas definem uma economia de mercado competitiva, a renda e a riqueza serão distribuídas de maneira eficiente e tal distribuição particular é determinada pela distribuição inicial de activos (de renda e riqueza, talentos e habilidades naturais), chegando a um resultado eficiente.
Se aceito o resultado como justo e não simplesmente como eficiente, também devo aceitar a base sobre a qual, ao longo do tempo, a distribuição inicial de activos é determinada. Todos devem ter uma oportunidade igual de atingir as posições.
Aqueles que tem talentos e habilidades devem ter as mesmas perspectivas de sucesso, não sendo influenciada pela classe social a que pertencem. Como na realidade (pratica) é impossível garantir oportunidades iguais de realização e de cultura para os que receberam dotes semelhantes, é necessario um princípio que reconheça esse facto e, ao mesmo tempo, alivie os efeitos arbitrários da própria lotaria natural. “O facto de a concepção liberal fracassar nesse ponto nos encoraja a procura uma outra interpretação para os dois princípios de justiça” (RAWLS, 1972:78).
Diante desta reflexão, o próprio autor, se decide pela concepção da igualdade democrática, como a melhor escolha entre as apontadas anteriormente.
Chega-se à igualdade democrática, juntando ou combinando o princípio da igualdade equitativa de oportunidade com o princípio da diferença. Este, lima a indeterminação do princípio da eficiência, ao eleger uma posição particular a partir da qual as desigualdades económicas e sociais devem ser julgadas.
Supondo-se a estrutura de instituições exigida pela liberdade igual e pela igualdade equitativa de oportunidades, as maiores expectativas daqueles em melhor situação são justas se, e somente se, funcionam como parte de um quadro que melhora as expectativas dos membros menos favorecidos da sociedade (IDEM:80).
A ideia intuitiva tira as perspectivas na ordem social instituída dos mais afortunados para os menos afortunados.
Segundo o princípio da diferença, a desigualdade pode ser justificável apenas se a diferença de expectativa for vantajosa para o homem representativo que está em piores condições, ou seja, o trabalhador especializado.
Rawls cita dois exemplos do princípio da diferença. No primeiro, as expectativas dos menos favorecidos estão maximizadas e nenhuma mudança nas expectativas dos de melhor situação pode mudar a situação dos menos favorecidos. É o que ele chama de esquema perfeitamente justo. No segundo caso, as expectativas dos mais talentosos contribuem de maneiras significativa para o bem-estar dos menos talentosos. À medida que diminuem as expectativas dos mais favorecidos, também diminuem as dos menos favorecidos.
Dito de outra forma expectativas mais elevadas para os mais favorecidos elevariam expectativas dos menos favorecidos. Assim, o esquema é totalmente justo, mas não é a organização mais justa. Seria injusto se uma ou mais das maiores expectativas fossem demasiado excessivas. Diminuindo essas expectativas a situação dos menos favorecidos seria melhorada.
De acordo com Rawls, a justiça tem predominancia sobre a eficiência e exige algumas alterações que não são eficientes. A consistência se assiste no sentido de que, um esquema perfeitamente justo é também eficiente.
A tarefa da justiça na cooperação social é seu próprio objecto primário e compreende a estrutura básica da sociedade; pode-se dizer que aquela é a primeira virtude das instituições sociais, da mesma forma como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Por isso, pede-se um conjunto de princípios para escolher entre as várias formas de ordenação social que estabelecam uma divisão de vantagens, bem como para selar um acordo sobre as partes distributivas adequadas.
“Esses princípios são os princípios da justiça social: eles oferecem um modo de atribuir direitos e deveres nas instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e encargos da cooperação social” (RAWLS, 1997:5).
Os princípios da justiça são centrais na teoria de justiça elaborada por John Rawls, uma vez que compõe a estrutura social ao mesmo tempo legitimam a existência de uma sociedade democrática. Ademais, são vistos como critérios seguros para a existência e durabilidade das instituições, responsáveis para que todos os membros da sociedade, de uma forma equitativa, tenham acesso aos bens primários, à igualdade de oportunidades e ao exercício pleno das liberdades básicas, priorizando membros menos favorecidos.
CONCLUSÃO
Numa ordem social, a estrutura básica é o objecto primário da justiça porque as suas consequências são profundas e estão presentes desde o principio, pois visto que essa estrutura é a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem e determinam direitos e deveres fundamentais e definem a divisão de vantagens oriundas da cooperação social, nada melhor que fundamentar-se na justiça como forma de equilíbrio social. Por existirem, desigualdades devido própria natureza são inevitáveis em qualquer organização social, é a elas que os princípios da justiça social são destinados a serem aplicados.
Logo, o conceito de justiça se definiu ao longo deste trabalho considerando como actuação de princípios na distribuição e atribuição de direitos e deveres e na definição da divisão apropriada de vantagens sociais. Uma ideia de justiça é uma interpretação dessa actuação.
Por outro lado, a ideia sobre a qual repousa a teoria da justiça como equidade de Rawls é que seus princípios organizadores da sociedade são objecto de consenso original, isto é, onde pessoas livres e racionais, preocupam-se em promover seus próprios interesses e que aceitam tais princípios em uma posicao original de igualdade como orientadores dos termos fundamentais de sua associação, por isso defendeu-se desta feita a tese: A Equidade como princípio básico da sociedade.
Essa maneira de analisar os princípios da justiça é chamada de justiça como equidade, na qual a posição original de igualdade comparasse ao estado de natureza na teoria tradicional do contrato social (Rousseau e Kant), cuja influência se fez muito presente no pensamento de John Rawls.
A visão geral de justiça elaborada por Rawls em dois princípios básicos, consiste na distribuição igual de bens primários, como a liberdade, posição social, entre outros, somente podendo ocorrer uma distribuição desigual como forma de favorecer os desfavorecidos. Esta percepção, contudo, não impede o surgimento de conflitos sociais, que se originam de uma identidade de interesses, como também não adianta uma forma especifica de solucioná-los.
A sociedade, por outro lado, não passa de uma organização de pessoas que reconhecem o carácter vinculativo a um determinado conjunto de normas e regras, que, a seu tempo, são direccionadas a todos os sujeitos racionais e objectivam em consolidar um sistema de cooperação entre eles para benefício de todos ou geral. Logo, percebe-se que a função da justiça é também definir e estabelecer, direitos e deveres, distribuindo encargos e benefícios oriundos da cooperação social.
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